“Ser mulher na tecnologia é bem solitário”, diz CEO da PrograMaria
Em entrevista exclusiva, as CEOs do banco Bmg e da startup de cursos para programadoras PrograMaria contam sobre suas experiências como mulheres no mercado de TI
Em entrevista exclusiva, as CEOs do banco Bmg e da startup de cursos para programadoras PrograMaria contam sobre suas experiências como mulheres no mercado de TI
O mercado de Serviços de Tecnologia, do qual fazem parte consultorias em TI, desenvolvimento de software e suporte técnico, contratou duas vezes mais homens do que mulheres em 2020. A CEO do banco Bmg, Ana Karina Bortoni, disse com exclusividade ao Tecnoblog que, como mulher no mercado de trabalho “você precisa se provar todos os dias”. Já Iana Chan, fundadora da startup PrograMaria, que oferece cursos de programação para mulheres, afirmou à reportagem: “hoje, ser mulher na tecnologia é bem solitário”.
Em 2020, segundo dados do Novo Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados), foram admitidas 7 mil mulheres no mercado de Serviços em Tecnologia — no mesmo período, o setor contratou 14 mil homens.
Recentemente, a PrograMaria se juntou ao Bmg para realizar uma série de palestras e workshops sobre mulheres que atuam em áreas de tecnologia: a iniciativa foi batizada de Juntas em Tech. As intervenções tiveram início em agosto. No dia 19, a startup vai realizar uma nova rodada de encontros de programadoras com patrocínio do banco: o PrograMaria Encontros. No mês seguinte, acontece o PrograMaria Summit, evento anual de celebração das mulheres na tecnologia.
Em sua última contratação, o time de tecnologia do Bmg foi reforçado por um contigente com 50% de presença feminina. São mulheres que vão atuar, a partir de setembro, na área de backend, frontend e arquitetura digital da empresa.
A diretora executiva do Bmg, Ana Karina Bortoni, chegou ao banco em 2019, convidada para ser presidente do conselho administrativo. Em janeiro de 2020, ela assumiu o cargo de CEO e o papel de líder no processo de transformação digital, para transformar a imagem do banco em uma fintech. Ela falou com exclusividade ao Tecnoblog sobre como ser mulher impactou sua carreira:
“O fato é que você acaba tendo que provar a toda hora que é a melhor profissional para a tarefa e sofremos mais questionamentos. Esse é um problema cultural na sociedade e que precisa ser constantemente revisitado para que realmente alcancemos a equidade de gênero.”
A vida das mulheres no mercado de TI é cheia de obstáculos. Elas precisam se superar todos os dias em um duplo esforço: uma corrida contra o tempo para bater as próprias metas e aturar o machismo que ainda está presente entre profissionais de tecnologia. Esta é a avaliação de Iana Chan, CEO da PrograMaria.
Fundada em 2015, a startup se propõe a ser um negócio de “impacto social” para escancarar o machismo no mercado de TI e, no processo, abri-lo para mulheres que pensam em aprender programação. Até o momento, a empresa formou 6 mil programadoras em HTML, CSS e JavaScript com aulas em 10 turmas — a 11ª vai se formar em breve. “Quando começamos a PrograMaria, foi justamente para entender esse mercado e por que ele é tão desigual”, diz Iana.
O problema é que, além de ser difícil para mulheres adentrarem no meio, há um desafio extra em manter-se no emprego.
Dados do Novo Caged relativos ao segundo semestre de 2020 revelam que no setor de serviços de proteção e tratamento de dados 6,3 mil mulheres foram desligadas de seus cargos, enquanto 5,9 mil homens se demitiram do trabalho. Vale lembrar que esse setor está aquecido, já que a LGPD entrou em vigor a partir de setembro do ano passado e punições por violar a lei começaram a valer a partir de 1 de agosto de 2021.
Iana pontua que falta um maior empenho das empresas para reter talentos femininos dentro de seu quadro de empregados:
“Reter talentos femininos começa, inclusive, pelo processo seletivo: Um estudo recente do LinkedIn revelou que homens têm 13% mais chances de terem seu perfil aberto por recrutadores do que mulheres. A vista grossa tem um aspecto individual que leva mulheres a terem mais síndrome do impostor: ‘Só vou mandar currículo quando estiver tudo ok’ — enquanto homens enviam o currículo mesmo não estando 100% perfeito.”
O diálogo com as empresas é essencial para que o mercado de tecnologia abrace a diversidade, o que não significa abaixar a régua. Essa virada pode, inclusive, levar ao lucro e aumentar o desempenho dos times de tecnologia, segundo a fundadora da PrograMaria.
Já a executiva do Bmg alerta: a diversidade de gênero ajuda a melhorar os resultados das empresas, além de ser boa para a sociedade civil em geral.
“Companhias que seguem esse tipo de estrutura possuem funcionários com uma bagagem maior e mais completa de experiências, o que é bom tanto para ambiente corporativo como para sociedade em geral.”
Para aliar empresas à diversidade, o papel do tomador de decisão deve ser o de incentivar e mitigar vieses inconscientes sobre orientações sexuais, identidades de gêneros, agindo sempre para eliminar preconceitos que vêm de fora para dentro. “Metade dos conselheiros do Bmg são mulheres”, menciona Ana Karina.
“Como as empresas mais tradicionais já vêm percebendo isso? Por meio de uma mentalidade que coloca o usuário no centro, pensando o produto em torno da experiência do cliente: UX, design thinking. Se você tem pessoas na sua equipe que são mais capazes de fazer um exercício de empatia com o consumidor, porque são mulheres ou pessoas negras, você consegue entender melhor a necessidade dos usuários”, completa Iana Chan.
Dados da consultoria McKinsey corroboram com a conclusão delas: uma pesquisa feita com 336 companhias mostrou que empresas com maior diversidade de gênero tiveram retorno financeiro 15% maior do que empresas sem forte presença feminina.
O cenário está constantemente em mudança: mulheres vêm ganhando mais espaço dentro do mercado de trabalho, inclusive no de tecnologia. Perspectivas começam a inspirar uma nova geração de estudantes, como a Gabriela Santos, aluna do curso de Ciência de Computação da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos). Ela recentemente passou no processo seletivo para estagiar em uma grande empresa de comércio eletrônico. Gabriela disse ao Tecnoblog:
“Eu acho que a sociedade é machista, e o mercado de TI também é, por ser parte dessa sociedade. Dá até desânimo quando a gente pensa. Uma coisa que eu comecei a perceber é que as pessoas não levam você muito a sério por ser mulher. Com certeza devem ter muitas dificuldades.”
Mesmo com os desafios que espera enfrentar, ela sonha em atuar como desenvolvedora front-end e, quem sabe um dia, se tornar uma executiva e assumir um cargo de liderança. “Estar em TI, as pessoas já acreditam que você [mulher] não tem capacidade. Imagina assumir um cargo de liderança. Aprendi que você precisa ser muito firme e se impor”, completa a jovem de 22 anos.
Como diretora-executiva do Bmg, Ana Karina Bortoni acredita que seu papel como líder mulher — uma das poucas dentro do setor financeiro — é inspirar uma nova geração de mulheres que querem ocupar cargos de decisão, como Gabriela. “Para que possam se reconhecer e ter força para lutar as batalhas que virão pela frente,” ressalta a executiva.
E essa tarefa não se limita apenas à área de tecnologia ou financeira: “quero ajudar cada vez mais as mulheres, a poderem escolher o que elas quiserem, pois sucesso é conseguir fazer o que você gosta, não é necessariamente a profissão”, diz Ana Karina.
Uma dica para as mulheres que querem entrar em TI, segundo a fundadora da PrograMaria, é achar seu próprio grupo, formar uma comunidade que seja acolhedora e fortalecer o networking entre colegas e conhecidas:
“Quando você tem uma comunidade, isso significa que você tem um espaço seguro. Ter um lugar para trocar experiências e indicações é bem importante.”
Quando a reportagem menciona o caso de Gabriela Santos durante a entrevista, Iana Chan comemora a entrada de mais uma ao mercado de tecnologia.
A fundadora da PrograMaria, afinal, não começou como programadora, e sim como jornalista. Mas ela se vê em cada uma das mulheres que forma na startup para manter a cabeça erguida contra o machismo em um setor vital e que ganhou destaque durante a pandemia de COVID-19.