O que é a obsolescência programada de eletrônicos? Entenda impactos dessa estratégia

Ao diminuir a vida útil de celulares e computadores, a obsolescência programada obriga o consumidor a adquirir novos produtos de maneira acelerada

Igor Shimabukuro Ana Marques
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• Atualizado há 2 semanas

A obsolescência programada é uma estratégia da indústria para criar produtos com vida útil reduzida e forçar consumidores a comprarem novas mercadorias de forma acelerada, uma vez que um item antigo se tornará obsoleto.

Essa estratégia atinge a maioria dos setores do mercado, mas é vista principalmente no ramo de eletrônicos de consumo (TVs, celulares e computadores), já que o setor tem grandes aportes de investimento para inovação e desenvolvimento de novas tecnologias.

Como consequência, a obsolescência programada resulta em um grande impacto econômico para a sociedade, uma vez que induz a população a um consumo desenfreado. O fenômeno também gera efeitos negativos para o meio ambiente com o aumento da emissão de gases estufa e do descarte de lixo eletrônico.

A seguir, entenda melhor o que é a obsolescência programada, e confira os impactos e as questões legais dessa prática.

O que é obsolescência programada?

A obsolescência programada (ou obsolescência planejada) consiste em uma estratégia da indústria para criar produtos com vida útil reduzida, mesmo com tecnologias e conhecimentos suficientes para o desenvolvimento de itens mais duradouros.

O objetivo da obsolescência programada é fazer com que consumidores troquem ou substituam mercadorias de maneira acelerada, o que impulsiona as vendas, estimula a demanda por um produto e, consequentemente, aumenta o lucro das empresas.

Importante destacar que a estratégia de obsolescência programada é vista principalmente na indústria de eletrônicos de consumo, mas também se faz presente em diversos outros setores do mercado.

Quando surgiu o conceito de obsolescência programada?

Registros históricos apontam que o conceito de obsolescência programada foi colocado em prática em dezembro de 1924, quando os principais fabricantes de lâmpadas do mercado se reuniram em Genebra e decidiram reduzir a vida útil das lâmpadas de 2.500 horas para apenas 1.000 horas.

A ideia de criar produtos menos duradouros faria com que as empresas passassem a vender mais e de forma mais frequente, especialmente em um período de forte concorrência no mercado de lâmpadas e sem garantias de vendas estáveis.

Obsolescência programada foi colocada em prática por um cartel de lâmpadas
Obsolescência programada foi colocada em prática por um cartel de lâmpadas (Imagem: John Cameron/Unsplash)

Mas o primeiro registro do termo “obsolescência programada” só aconteceu em 1932, quando o corretor de imóveis americano Bernard London sugeriu a adoção da estratégia por lei com o objetivo de recuperar os Estados Unidos da crise de 1929.

A proposta de London não virou lei, mas a obsolescência programada passou a ser adotada como estratégia de mercado (em praticamente todos os setores) desde então e perdura até os dias atuais, mesmo com a constante evolução tecnológica.

Quais são os tipos de obsolescência programada?

Por mais que algumas nomenclaturas possam variar, a obsolescência programada pode ser dividida em quatro tipos diferentes, como explica Leonardo Geraldo de Oliveira, professor do Departamento de Tecnologia do Design da UFMG:

1. Obsolescência artificial

A obsolescência artificial (ou programática) ocorre quando há intenção prévia de tornar um produto obsoleto antes mesmo do processo de fabricação. Um bom exemplo da prática é a criação de eletrônicos projetados para falhar após determinado número de ciclos ou tarefas, o que obriga a aquisição de um novo produto.

Outra característica da obsolescência artificial é a limitação para reparo do produto, o que dificulta o conserto de um aparelho com defeito e força o consumidor a adquirir uma nova mercadoria.

2. Obsolescência psicológica

Também conhecida como obsolescência perceptiva ou estética, a obsolescência psicológica é uma estratégia abstrata usada para destacar novas tendências e tornar produtos (ou serviços) antigos menos desejáveis ao enquadrá-los como obsoletos.

Essa estratégia é principalmente vista em atualizações de versões de aparelhos eletrônicos (como updates do iPhone 14 para o iPhone 15), mas também é observada quando uma nova peça de roupa entra na moda ou mesmo quando um aplicativo se encontra com alta demanda.

3. Obsolescência tecnológica

A obsolescência tecnológica (ou funcional) está relacionada à incapacidade de um eletrônico executar determinado software ou sistema operacional por limitações de hardware, como quando um PC não consegue rodar o Windows 11 ou um iPhone não pode baixar o último patch do iOS.

Importante ressaltar que a obsolescência tecnológica não está necessariamente envolvida com a criação de produtos menos duradouros de forma intencional, e pode ser relacionada ao rápido avanço tecnológico que força otimização de hardware e alterações de compatibilidade.

Já a obsolescência legal acontece quando normas e regulamentações proíbem o uso de um produto. Exemplos envolvem a proibição de veículos antigos que não atendem aos novos padrões de emissões de gases ou brinquedos descontinuados que traziam riscos à segurança das crianças.

Quais são os principais exemplos de obsolescência programada?

Por mais que a obsolescência programada atinja quase todos os setores do comércio, a prática é vista especialmente na indústria de eletrônicos. Alguns exemplos dessa estratégia envolvem:

  • Baterias limitadas: smartphones, notebooks e outros eletrônicos modernos tendem a apresentar baterias menos duradouras, estimulando consumidores a comprarem novos aparelhos ou modelos premium;
  • Vida útil reduzida: é comum que empresas projetem mercadorias que vão apresentar defeitos após um determinado número de ciclos, mesmo que o item não tenha sido danificado ou exposto a situações que comprometam sua durabilidade;
  • Design unificado: novos smartphones costumam apresentar design de System-on-a-Chip (SoC) único, o que encarece reparos de uma única peça com defeito e, consequentemente, torna a aquisição de novos produtos mais vantajosa;
  • Limitação de hardware: itens como computadores e notebooks limitam a possibilidade de upgrade de hardware, o que obriga os consumidores a comprarem novas peças atualizadas para otimizar o desempenho dos eletrônicos;
  • Atualização de software: aplicativos e sistemas operacionais costumam trazer suporte e updates apenas para aparelhos mais recentes, tornando itens mais antigos obsoletos;
  • Falso alarme de impressoras: algumas impressoras são projetadas para notificar baixos níveis de tinta dos cartuchos, mesmo que eles ainda tenham quantidade de tinta suficiente para mais impressões;
  • Atualizações de design: empresas podem alterar apenas aspectos de design de um produto para induzir consumidores à compra, mesmo que o item não apresente grandes atualizações de hardware.

Quais são os impactos da obsolescência programada?

A obsolescência programada majoritariamente traz impactos negativos nos âmbitos sociais, econômicos e ambientais. As consequências dessa estratégia envolvem:

  • Impacto financeiro: produtos menos duradouros vão exigir que consumidores realizem compras de forma muito mais constante, o que impacta negativamente a parcela da população com menos condições;
  • Impacto ambiental: empresas terão que aumentar a produção de mercadorias para compensar produtos com menor vida útil, o que significa mais geração de gases estufa durante a etapa de manufatura, e mais exploração de minérios e elementos naturais;
  • Lixo eletrônico: aumentar o fluxo de compras também ascende o descarte de produtos, o que pode elevar a degradação do meio ambiente;
  • Aumento do consumo: a obsolescência psicológica pode influenciar negativamente consumidores a adquirirem novos produtos apenas para sensação de pertencimento a um grupo ou classe social;
  • Crescimento econômico: a estratégia da obsolescência programada fomenta o fluxo da economia, embora os lucros fiquem apenas nas mãos de grandes empresas, corporações e cartéis;
  • Desenvolvimento tecnológico: a necessidade de criar novos produtos em um curto intervalo de tempo faz com que as empresas invistam em pesquisa e inovação para desenvolver melhorias para os consumidores.

Como amenizar os impactos ambientais da obsolescência programada?

A redução de impactos ambientais causados pela obsolescência programada exige uma tríplice colaboração entre governo, indústria e consumidores.

O governo deve criar legislação e normas para regular a produção da indústria e exigir políticas sustentáveis no processo de manufatura. Aliado a isso, as empresas devem ser fiscalizadas para evitar a produção de mercadorias com baixa vida útil, e precisam informar os consumidores sobre a durabilidade de seus produtos.

Lixo eletrônico como consequência da obsolescência programada
Lixo eletrônico como consequência da obsolescência programada (Imagem: John Cameron/Unsplash)

Já a indústria deve apostar na incorporação da reciclagem na produção de mercadorias e criar campanhas que auxiliem os consumidores para o descarte correto de lixo eletrônico. Programas de reparo também devem ser considerados de modo a estender a durabilidade de produtos e evitar novas compras desnecessárias.

A população também tem papel fundamental na redução de impactos ambientais ao aderir o consumo consciente. Os indivíduos ainda devem fazer o descarte correto de celulares e outros dispositivos eletrônicos, e fomentar o mercado secundário para o reaproveitamento de itens usados.

Obsolescência programada é ilegal?

O entendimento sobre a legalidade da obsolescência programada varia de acordo com as leis e regulamentações sobre o tema de cada país. Mas diversas nações contam com regras em prol do consumidor para combater essa prática.

A França se destaca no combate à obsolescência planejada, com aplicação de multas e pedidos de prisão para quem reduzir a vida útil de produtos de forma proposital. Itália e a União Europeia como um todo também têm regras para proteger os consumidores da prática.

No Brasil, ainda não existe uma lei específica sobre a obsolescência programada. Contudo, os artigos 18 e 32 do Código de Defesa do Consumidor (CDC) exigem garantias de peças de reposição e responsabilizam empresas por vícios de qualidade, respectivamente.

Importante mencionar que essas leis e regulamentações específicas já renderam multas a empresas como Apple e Samsung, acusadas de diminuir a vida útil de seus produtos via atualizações de software.

É possível evitar a obsolescência programada?

O cenário mais provável seria apenas reduzir práticas de obsolescência programada, com um esforço conjunto de governos, indústria e consumidores.

Para isso, governos teriam de endurecer regulamentações e punir empresas que reduzam a vida útil de produtos propositalmente ou dificultam ofertas para reposição de peças, o que estenderia a durabilidade das mercadorias.

Já empresas precisariam apostar em design sustentável para seus produtos, modificar as ações de marketing que induzem compras desenfreadas, estender garantia de reparo e peças de reposição, além de ampliar a compatibilidade de atualização de softwares para aparelhos mais antigos.

A população, por sua vez, teria que adotar o consumo consciente para diminuir a produção de lixo eletrônico e reduzir a demanda por lançamentos de novos produtos no mercado.

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Igor Shimabukuro

Igor Shimabukuro

Redator

Igor Shimabukuro é jornalista graduado e com especialização em Mídias Digitais pela Universidade Metodista de São Paulo. Apaixonado por games, cobre tecnologia desde 2020. Com passagens por Olhar Digital e TecMasters, acumula mais de cinco mil conteúdos (hard news, reportagens, reviews, tutoriais, entrevistas, especiais, publieditoriais) publicados na internet.

Ana Marques

Ana Marques

Gerente de Conteúdo

Ana Marques é jornalista e cobre o universo de eletrônicos de consumo desde 2016. Já participou de eventos nacionais e internacionais da indústria de tecnologia a convite de empresas como Samsung, Motorola, LG e Xiaomi. Analisou celulares, tablets, fones de ouvido, notebooks e wearables, entre outros dispositivos. Ana entrou no Tecnoblog em 2020, como repórter, foi editora-assistente de Notícias e, em 2022, passou a integrar o time de estratégia do site, como Gerente de Conteúdo. Escreveu a coluna "Vida Digital" no site da revista Seleções (Reader's Digest). Trabalhou no TechTudo e no hub de conteúdo do Zoom/Buscapé.