Dez anos de Gmail, o serviço que reinventou a forma como lidamos com o e-mail
Em 2004, o Google já dominava a arte de fazer pegadinhas para o dia da mentira. O Gmail tinha toda a pinta de ser mais uma delas: foi anunciado em 1º de abril e prometia recursos até então praticamente inéditos em serviços de e-mail. Mas logo todo mundo percebeu que o Google estava falando sério e hoje, ao completar dez anos de existência, o Gmail só perde para as buscas como o serviço mais popular do Google.
A primeira grande novidade do Gmail foi o espaço generoso. Enquanto os serviços de e-mail da época algo como 1 MB, 2 MB ou 10 MB e um pouco mais do que isso nas opções pagas, o Google chegou prometendo 1 gigabyte de graça. Não é uma maravilha não ter mais que baixar mensagens em um cliente de e-mail para o PC para liberar espaço na caixa de entrada?
Outra inovação foram as threads, ou seja, a organização das respostas de uma mensagem no mesmo tópico que resulta em listas de conversação, uma ideia tão prática que, hoje, acho que eu não conseguiria mais lidar com um serviço de e-mail que coloca cada resposta como uma nova mensagem na caixa de entrada.
Também merece menção o “auto-completar” no campo de endereço, a busca avançada de mensagens (que, na verdade, só ficou boa mesmo nos anos seguintes) e o filtro antispam que até hoje é considerado o mais eficiente do mercado. E, claro, também há a interface limpa e organizada que pouco lembrava os “webmails” da época:
Não dá para falar dos primórdios do Gmail sem mencionar os convites. Como se tratava de um serviço experimental – o Gmail só foi perder o selo “beta” em 2009 -, apenas quem tivesse acesso a um convite poderia ter uma conta de e-mail do Gogole. Era uma forma de disponibilizar o Gmail sem evitar sobrecarga nos servidores e, principalmente, de criar um sentimento de exclusividade capaz de atrair mais gente para o serviço.
Eu consegui criar a minha conta em 28 de junho de 2004, graças a um convite que um jornalista me deu numa comunidade do Orkut, rede social que “bombava” na época – e também explorava a ideia de convites, olha só.
Mas só pude obter convites para distribuir – apenas cinco – em agosto daquele ano. Na ocasião, era comum inclusive encontrar convites à venda em sites como eBay ou mesmo em fóruns de discussão. Não segui esta ideia e decidi dar os meus a amigos. Lembro que a reação de alguns deles foi semelhante à minha: “isso é muito legal, mas vai levar algum tempo para eu me habituar”. No meu caso, me adaptar às threads e às etiquetas (labels) no lugar de pastas é que exigiu mais esforço.
Enquanto a distribuição de convites rolava solta, serviços concorrentes esboçavam reação. A Microsoft, por exemplo, aumentou a capacidade do Hotmail de 2 MB para 250 MB nos Estados Unidos ainda em 2004, embora continuasse cobrando para quem quisesse mais espaço.
Alguns provedores de internet já ofereciam inclusive contas com mais de 1 GB, mas também pagas. Como o Gmail já era bastante generoso para um serviço gratuito, ninguém esperava mais nenhuma grande novidade, mas em 1º de abril de 2005 o Google atacou de novo: adicionou mais espaço em cada conta e um contador na página de login do Gmail que indicava que a capacidade aumentaria continuamente. Rolou até uma brincadeira que indicava que o espaço total seria de “infinito +1”.
Outras novidades da época e dos meses seguintes incluem recursos para formatação de e-mails, o lançamento do primeiro aplicativo móvel e o surgimento do Google Talk integrado ao Gmail para enfrentar o então todo-poderoso MSN Messenger / Windows Live Messenger.
Em 2007, o Gmail passou por sua primeira grande renovação de interface. Foi neste mesmo ano que o serviço se tornou, oficialmente, um serviço aberto, isto é, livre de convites.
Várias outras novidades foram implementadas nos anos seguintes, como integração com o Google Docs, visualização de PDF, aviso de anexo esquecido (coisa do Gmail Labs), surgimento do Google Voice, novas atualizações no design e, claro, mais espaço de armazenamento – o último update aconteceu em maio de 2013, quando o Gmail passou a oferecer 15 GB gratuitos integrados ao Google Drive e ao Google+ Photos.
É claro que a história do Gmail não é isenta de polêmicas. A principal delas diz respeito a um aspecto que arranha a imagem do Google até os dias de hoje: privacidade. Já em 2004 surgiram as primeiras críticas (e processos) referentes às políticas da empresa que permitem, por exemplo, que os sistemas do Google analisem o conteúdo dos e-mails para exibir anúncios contextuais ao lado das mensagens.
O Google enfrenta processos e questionamentos sobre privacidade até hoje. Curiosamente, a última novidade do Gmail diz respeito justamente a este aspecto: como uma aparente reação às denúncias de espionagem por parte da NSA, o Google passou a utilizar definitivamente HTTPS na verificação de mensagens.
Prever o futuro do Gmail sem uma bola de cristal das boas é difícil, mas eu não esperaria por nada muito revolucionário. Se analisarmos bem, conceitualmente, o Gmail mudou pouco nestes dez anos: seu grande trunfo foi ter mudado audaciosamente o segmento de e-mails em 2004.
O que eu aposto é no serviço continuando a ser parte importantíssima da estratégia do Google. E não é exatamente pelo Gmail em si: quantas mudanças não aconteceram na internet nos últimos anos e o e-mail, mesmo tendo sua morte decretada várias vezes, continuou firme e forte?