Estes brinquedos prometem fazer seus filhos gostarem de ciências e matemática
Nessa categoria estão blocos de montar, quebra-cabeças, tabuleiros e até jogos eletrônicos
Nessa categoria estão blocos de montar, quebra-cabeças, tabuleiros e até jogos eletrônicos
Os brinquedos que uma criança tem podem influenciar na escolha de uma profissão na fase adulta? A ciência ainda não encontrou resposta definitiva para essa pergunta, mas uma coisa é certa: esses objetos têm papel importante no desenvolvimento cognitivo do indivíduo. Isso é particularmente verdade em relação aos brinquedos STEM. Você pode nunca ter ouvido falar desse nome, mas deve conhecer um punhado de brinquedos do tipo.
STEM é a sigla em inglês para Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática. Qualquer brinquedo que consiga estimular habilidades relacionadas a pelo menos uma dessas áreas pode ser considerado STEM, portanto.
Não é preciso nenhuma modernidade para isso. Os brinquedos STEM existem há décadas. Nessa categoria se enquadram quebra-cabeças, certos jogos de tabuleiro, aplicativos de lógica e, com grande destaque, blocos de montar. Alguém disse Lego?
Pois é, Lego talvez seja o tipo de brinquedo que mais bem representa a categoria STEM. Há uma infinidade de modelos de Lego e cada um propõe um problema de engenharia diferente — construir uma casa ou um veículo, por exemplo. Com ou sem uso do manual, essa atividade ajuda a criança a compreender ângulos, perspectivas, proporções e vários outros conceitos.
Apesar de os brinquedos STEM existirem há muito tempo, há poucos estudos sobre o assunto, com a maior deles sendo recente. As pesquisas mais antigas foram realizadas quase que totalmente por fabricantes de brinquedos preocupados em identificar o público mais apropriado para cada tipo de produto.
O interesse pelo assunto foi crescendo à medida que educadores perceberam o efeito dos brinquedos STEM no ensino de disciplinas que, comumente, “assustam” as crianças, como matemática e biologia. O estímulo de fabricantes também foi de grande ajuda, é claro: se o brinquedo tem um viés educativo evidente, quais pais teriam ressalvas de comprá-lo para os filhos?
Esse movimento levou ao surgimento de lojas especializadas no assunto e recebeu atenção até de grandes varejistas. A Amazon, por exemplo, lançou uma seção dedicada a brinquedos STEM no ano passado: ali é possível encontrar blocos de montar, kits de experimentos científicos, jogos de tabuleiros, microscópios, robôs programáveis, fazendas de formigas e por aí vai.
A Lego é, novamente, um exemplo no que diz respeito aos estímulos criados pelas próprias empresas. A linha Mindstorms, que mistura os tradicionais blocos de montar com eletrônica, permite a criação de robôs de diversos tipos. Não é à toa que essa linha tem entrado para a lista de desejos de muitas crianças — e adultos também.
É verdade que a linha Lego Mindstorms costuma ser cara. Mas em sites de crowdfunding como Kickstarter é possível encontrar cada vez mais projetos de robôs programáveis com preços acessíveis. O Codeybot, que ensina programação de um jeito fácil e divertido, é um deles.
Que brinquedos STEM podem exercer um papel fundamental na educação não é novidade. Mas, diante do crescente interesse pelo assunto verificado em escolas e lojas, pesquisadores vem tentando descobrir como e até que ponto esses brinquedos influenciam nos processos cognitivos.
Ainda que o assunto careça de resultados conclusivos, algumas constatações já foram obtidas. Jeffrey Trawick-Smith, professor da Universidade Eastern Connecticut, conduziu durante cinco anos um estudo para avaliar a influência desses brinquedos em aspectos como habilidade de resolver problemas, criatividade e interação social.
Uma das descobertas reveladoras de Trawick-Smith é que os brinquedos mais simples estão entre os que trazem mais resultados entre crianças pequenas, como os tradicionalíssimos blocos de montar de madeira.
Em um dos vários experimentos realizados, uma criança estava construindo uma “casa para tigres” com blocos que se colavam a outros a partir de fitas magnéticas quando se deparou com um problema desafiador (para a idade dela): a construção precisava ser finalizada com um quadrado; como essa peça não estava disponível, a criança combinou dois blocos triangulares para substituí-la. Ela não recebeu instruções de um adulto para ter essa ideia.
Mais uma prova de que, sim, brinquedos STEM podem promover habilidades específicas, como as que estão ligadas a conceitos matemáticos. Porém, Trawick-Smith ressalta que não é requisito que o brinquedo seja complexo: o cientista percebeu que aqueles que são mais simples e dão liberdade de construção (a criança monta o que quiser, como uma casinha para tigres) são mais estimulantes, pois permitem que a criança explore formas e experimente combinações. É por isso que os blocos de maneira se saem tão bem nesse quesito.
Esse ponto chamou atenção de Trawick-Smith para um aspecto que já havia sido ressaltado por outros pesquisadores e educadores: a de que a maioria dos brinquedos STEM dá pouco espaço para a criatividade. Nesse sentido, um kit de Lego de um avião pode ajudar a criança a desenvolver várias habilidades, mas como só há um projeto que pode ser montado com aquele conjunto de peças (o avião), ela não consegue criar as próprias soluções. O mesmo vale para vários outros tipos de brinquedos, como quebra-cabeças.
Um brinquedo precisa ser divertido, do contrário, a criança não dará atenção a ele. Essa é outra razão pela qual os brinquedos STEM são tão requisitados: ao mesmo tempo em que propiciam o desenvolvimento de habilidades, eles divertem. Aí vem a questão: os estímulos oriundos dessa combinação são presentes o suficiente para influenciar na escolha de uma profissão na fase adulta? Em outras palavras, uma criança que mistura vários kits de Lego para construir casas de diversos tipos pode seguir carreira de engenharia civil, por exemplo?
Mesmo entre aqueles que não tiveram dificuldades para escolher uma profissão, essa é uma decisão complexa, que envolve numerosas variáveis: influência dos pais, aspectos culturais, afinidade com determinadas disciplinas na escola e assim por diante. Os brinquedos STEM acabam sendo mais um desses fatores, ou seja, não é impossível, mas dificilmente eles aparecem como único elemento com peso na escolha de uma carreira.
É mais aceitável a tese de que os brinquedos STEM estimulam o interesse pelas áreas de ciência, tecnologia, engenharia e matemática, mas não necessariamente apontam o caminho para uma profissão específica.
Pode não parecer, mas esse aspecto, por si só, é bastante importante: segundo Andrew Meltzoff, renomado professor de psicologia da Universidade de Washington, em escolas e ambientes familiares dos Estados Unidos predomina a ideia de que os meninos são mais aptos à matemática, por exemplo, e que as meninas se dão melhor com atividades ligadas à leitura (jornalismo, ensino, etc.). Esse é um aspecto cultural que os brinquedos STEM ajudam a quebrar, ressalta Meltzoff.
Dê um kit de Lego ou um jogo de tabuleiro a uma menina em vez de apenas uma boneca e ela poderá desenvolver tanto interesse por matemática e raciocínio lógico quanto um menino educado desde os primeiros anos para acreditar que é bom nisso.
Com os brinquedos STEM contribuindo para o desenvolvimento cognitivo das crianças, é natural que pais e educadores recorram cada vez mais a esses objetos. Mas os pesquisadores são claros: não é boa ideia forçar a criança a brincar com brinquedos que ela não gosta. Nessas circunstâncias, o efeito pode ser o contrário: o estresse causado pela insistência poderá fazê-la ter desconforto com qualquer brinquedo semelhante.
Ainda que essa recomendação soe como óbvia, os pesquisadores temem que a crescente atenção do mercado aos brinquedos STEM façam os pais procurarem apenas essa categoria para os filhos com o intuito de deixá-los mais inteligentes ou qualquer coisa assim.
É contraproducente. Brinquedos STEM ajudam em habilidades cognitivas, mas não podem se transformar em um exercício de treinamento. No final das contas, é primordial que a criança se sinta bem com qualquer tipo de brinquedo ou brincadeira, STEM ou não: na fase infantil, a diversão ainda é o melhor estímulo que o cérebro pode receber.