Buscapé compra briga com o Google no Ministério da Justiça
Empresa afirma que o buscador privilegia resultados de produtos do Google Shopping em detrimento aos demais sites de comparação de preços.
O Grupo Buscapé entrou nessa semana com uma representação contra o Google junto ao Ministério da Justiça. A companhia, especializada em ferramentas de comparação de preços na web e e-commerce, acusa o gigante de Mountain View de favorecer páginas próprias em buscas relacionadas a produtos.
Nesse ano o Google estreou no país com certa discrição a ferramenta de Shopping. Com ela, o internauta fica sabendo os preços de um determinado produto em diversas lojas, podendo decidir em qual delas vai comprar. O Google Shopping ainda traz resumos do que o produto faz, tornando a vida do consumidor muito mais fácil.
Qualquer internauta mais vivido sabe que é o tipo de ferramenta que o Buscapé desenvolve faz muito tempo. Além do site Buscapé, o grupo detém o BondFaro e outras ferramentas similares. São líderes de mercado, concentrando 31% do tráfego de acessos de acordo com dados levantados pela comScore e divulgados pelo jornal O Estado de S. Paulo.
O VP de Comparison Shopping do Buscapé, Rodrigo Borer, me explicou que a empresa vem observando o avanço do Google como companhia que oferece conteúdo em vez de direcionar o usuário para páginas do tipo. Ao tomar tal atitude, o Google se utiliza da posição dominante no mercado de busca (ainda mais em termos de Brasil, onde detém mais de 90% de market share) para privilegiar os próprios produtos e serviços.
Na representação apresentada à Secretaria de Direito Econômico (SDE), o Buscapé reclama de dois pontos em especial: a posição elevada de páginas do Google Shopping em resultados de busca para produtos e a forma como esses resultados, gerados pelo Google, são apresentados. Borer afirma que, depois de um extenso levantamento, o Buscapé chegou à conclusão de que o rankeamento das páginas do Shopping não é justa. Em diversas pesquisas, a ferramenta do Google falha em trazer informações mínimas que o consumidor tem o direito de saber antes de efetuar sua compra.
Por exemplo, o Google Shopping não oferece avaliação para as lojas que apresentam suas ofertas. A quantidade de avaliações de usuários também é pequena, enquanto concorrentes têm um banco de dados amplo de reviews de internautas. O Buscapé afirma ainda que o Google Shopping nem sempre informa o valor mais baixo disponível no mercado para um item pesquisado. O VP do Buscapé aponta também para a falta de ficha técnica completa e de um número maior de lojas parceiras do Shopping para exibição de ofertas. Por esses motivos, a ferramenta do Google seria inferior a concorrentes estabelecidos no mercado, de acordo com Borer.
O Buscapé também reclama da forma como o Google Shopping se apresenta para o internauta. Na busca por “mp4 player” feita por mim, repare que o resultado do Buscapé aparece numa posição superior à do Google Shopping. Entretanto, o site do Google apresenta imagem do produto pesquisado. Segundo Borer, a presença da imagem naturalmente atrai mais cliques dos usuários, fazendo com que a ferramenta do Google novamente esteja numa posição privilegiada frente aos rivais.
“Somados os instrumentos de posição privilegiada e exibição diferenciada de ofertas, para nós demonstra claramente o uso de artifício para promover uma ferramenta interna e cercear a concorrência”, diz Borer.
Questionado se houve alguma tentativa de diálogo com o Google Brasil antes de iniciar o litígio jurídico, o VP de Comparison Shopping afirma que o Buscapé preferiu recorrer diretamente à Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça. “Várias empresas passaram por isso no mundo, com o mesmo tipo de favorecimento para produtos do Google. Em nenhum caso houve possibilidade de negociar previamente com o Google.” Borer completa dizendo que o assunto não deve ser resolvido no âmbito privado porque o Buscapé poderia se beneficiar, mas outros concorrentes continuariam sofrendo concorrência desleal do gigante da web.
Em última hipótese, o Buscapé pede que o algoritmo do Google para indexação e rankeamento de páginas seja aberto, de modo que empresas concorrentes possam se adequar ao que o buscador requer para posicionar um resultado em suas buscas. No entanto, Borer salienta que o pedido do Grupo Buscapé é simples: isonomia no tratamento que o buscador confere a todas as páginas e empresas de internet, sem beneficiar seus próprios produtos – ainda mais quando são falhos frente ao que a concorrência oferece, de acordo com o executivo.
Casos como esse não são raros. O chamado “Googlepólio” vem sendo questionado em diversas instâncias e em diversos países. Nos Estados Unidos, o chairman da empresa, Eric Schmidt, teve que se apresentar ao Senado americano para prestar esclarecimentos. Por diversas vezes o governo americano sinalizou, por meio de suas agências, que observa as condutas do buscador na internet.
O Buscapé sabia que o Google Shopping iria estrear no Brasil. Borer diz que o Buscapé se preparou para a chegada de mais um concorrente, mas que só isso não basta porque não há formas de driblar o privilégio que, de acordo com ele, o Google confere a suas propriedades na rede. O executivo cita o YouTube, que também aparece acima de outros resultados nas buscas no Google. Com isso, empresas como a brasileira Videolog sofrem para aparecer e receber cliques naquela que é a porta de entrada de muitos usuários para a internet.
“Achamos muito curioso que o Google Panda e o Google Shopping tenham chegado no mesmo ano”, diz Borer. A atualização no algoritmo, segundo o executivo, prioriza páginas com conteúdo de qualidade, embora não esteja claro o que o Google considera como qualidade. Não por acaso, o Google investe em conteúdo próprio, a fim de se sobressair na atualização que ele mesmo lança para o algoritmo de busca.
A representação que o Buscapé protocolou junto à SDE está sob sigilo a pedido da própria empresa, visto que certas informações em seu levantamento não devem vir a público – como a queda na receita do Buscapé após a chegada do Google Shopping, fato que Borer confirmou sem citar números, mas diz que resultou em “queda significativa”. Atendendo a uma requisição da SDE, o Buscapé também protocolou uma representação pública, a qual a empresa por enquanto não divulga porque deverá ser publicada pela própria secretaria.
Procurado por mim, o Google Brasil informou que não recebeu qualquer notificação sobre o assunto e que, portanto, não tem o que comentar. O representante do Google que me respondeu sugeriu entrar nessa página para saber sobre o funcionamento do Google Shopping, sem confirmar nem negar se o Google por padrão dá tratamento especial ao Google Shopping em resultados de busca.
Atualização às 17h31 – O título do artigo mencionava erroneamente o Ministério Público. A representação do Buscapé foi apresentada ao Ministério da Justiça.