FaceTime é revolução ou mais do mesmo?
Aqueles que estão acostumados a assistir as palestras de Steve Jobs sabem que o CEO da Apple tem algumas marcas registradas. Depois de uma sequência de “booms” e demonstrações, todos esperam pelo grande momento em que, quando parecia que a apresentação havia acabado, Steve vem e nos diz: “but there’s one more thing” (“mas há mais uma coisa”). Nesse momento a platéia normalmente explode em aplausos, como se Jobs fosse um rockstar que tivesse acabado de voltar para o bis.
O que quer que seja escolhido pela Apple para o posto de “one more thing” é, tipicamente, o que ela considera um dos anúncios mais importantes e impactantes do dia — deixando o melhor para o final, você sabe como é. Desde 2007, todo ano Jobs cumpre um mesmo ritual: nos mostrar um novo iPhone, “o melhor iPhone que a Apple já fez” (obviamente), e esse ano não poderia ser diferente. E no meio do apresentação do iPhone 4 certamente os mais afoitos já começaram a imaginar o que seria tão grandioso para fechar um importante anúncio como aquele com chaves de ouro. No fim descobrimos que era nada mais do que a videochamada da Apple, batizada de FaceTime.
Deve ter sido um pouco decepcionante para muita gente ver a videochamada como o tão esperado “one more thing”. Eu sei que para mim foi. Afinal, videochamada não é nenhuma novidade, é uma tecnologia disponível há anos. Mas depois parei para pensar: será que o FaceTime é só isso mesmo? Ou será que a Apple está certa ao dizer que “isso muda tudo”.
Sejamos bem sinceros. Já faz muito tempo que a videochamada está aí. E com “está aí” eu quero dizer que a tecnologia existe, assim como aparelhos compatíveis com ela. Mas olhando de forma mais realista para o assunto, é praticamente como se não existisse. Você faz videochamadas? Tem amigos que conversam entre si com vídeo em seus celulares? Foi o que pensei.
Não é que a videochamada literalmente não exista, mas seu uso atualmente é tão restrito que não se pode também dizer que se trata de uma tecnologia consolidada.
Mainstream. Essa é uma palavra em inglês que é usada para caracterizar aquilo que é conhecido por uma parcela majoritária da população e consumido ou utilizado por ela. A videochamada nunca foi mainstream. E é isso que o FaceTime pretende mudar. É um desafio, mas eu acredito que a Apple tenha o que é preciso para causar esse impacto na forma como nos comunicamos. E para entender porque eu acredito que a empresa tenha essa capacidade temos que analisar um pouco de sua história. Ou — talvez fosse melhor dizer — analisar seu histórico.
A Apple tem um histórico que depõe a seu favor nesse desafio. Seus maiores produtos nunca foram uma inovação na sua essência, foram mais uma inovação na sua abordagem. Vejamos, por exemplo, o Apple II, o primeiro grande sucesso da empresa. Ele não foi o primeiro computador pessoal, mas foi um dos primeiros que vinham prontos para usar — a geração anterior de computadores pessoais era quase que exclusivamente para hobbystas, era necessário montar seu computador a partir do kit comprado, e isso não era tão simples quanto é hoje trocar um pente de memória RAM.
Em 1984 a Apple lançou o primeiro Macintosh. Ele não era, novamente, o primeiro computador pessoal; já existiam muitos outros. A sua abordagem porém, era única e inovadora. O Macintosh era um computador que bastava tirar da caixa e ligar, e então utilizar com um paradigma totalmente diferente de tudo que já tinha sido visto: ao invés de linhas de comando, ele tinha um mouse e uma interface gráfica que fazia analogia a algo familiar a todos: uma mesa de escritório, com suas pastas, documentos e até a lixeira. Era um computador “para o resto de nós”, como a Apple costuma dizer.
Por “o resto de nós” entenda, na verdade, não você (que adora tecnologia), mas sim a sua avó, o seu vizinho ou mesmo aquele seu tio que fica maluco com a quantidade de controles remotos com que tem que lidar. Essa sempre foi a abordagem da Apple: fazer máquinas da mais alta tecnologia que possam ser utilizadas por “pessoas comuns”, sem precisar ter qualquer interesse tecnológico ou aptidão técnica.
Foi essa abordagem que fez com que o iPhone revolucionasse a indústria de celulares. Antes dele, os smartphones eram um produto de nicho, dificilmente alguém seria visto com um deles que não fosse um executivo altamente dependente de e-mail ou algum entusiasta por tecnologia que se deliciava em saber que conseguia acessar a internet por seu celular — normalmente uma internet um tanto quanto diferente da que se via nos computadores, mas ainda assim o suficiente para fazer um geek feliz.
Aí vem o iPhone e muda tudo. Não é que os smartphones não existissem antes dele, eles simplesmente não eram mainstream. Um dos méritos do iPhone foi justamente ter elevado o nível da concorrência, obrigado todos a desenvolverem novas interfaces e apresentar nos celulares uma experiência de uso muito melhor do que a que se via até então. O iPhone trouxe um novo padrão aos celulares, empurrou a concorrência para frente e mudou o mercado. E é por isso que eu acredito no FaceTime.
Se há alguém que tem experiência em reapresentar ideias com uma abordagem diferente o suficiente para levar uma tecnologia esquecida para o mainstream, esse alguém é a Apple. Isso não é pensar que Steve Jobs tenha o toque de Midas, é simplesmente analisar o que a empresa tem feito e perceber que esse é possivelmente o seu maior mérito.
O iPhone 4 — por enquanto o único dispositivo compatível com o FaceTime — já é um sucesso de vendas, e as pesquisas ao longo dos anos mostram que a base de usuários do iPhone tende a rapidamente ser formada, em sua maior parcela, pelo modelo mais atual. Fazer videochamadas no FaceTime é tão simples quanto apertar um botão durante a chamada comum de voz, então não se espante se muito em breve houver milhões de pessoas usando essa tecnologia.
Uma vez que isso aconteça, quando o FaceTime já for suficientemente bem sucedido para ser tido como o mais popular padrão de videochamada (como se houvesse outro padrão popular de videochamada… mas enfim), a Apple vai lançar mão do grande trunfo para consolidar o FaceTime como o padrão: fazer dele um padrão aberto, para que qualquer fabricante possa integrá-lo ao software de seus dispositivo móvel. E aí a videochamada não mais dependerá de iPhones 4, nem da AT&T, nem de conexões Wi-Fi, nem nada disso. A Apple terá conseguido mudar a forma como as pessoas se comunicam, integrando a experiência visual às conversas por celular.
Isso, é claro, se tudo correr como nos planos. A própria Apple não é composta apenas de histórias de sucesso — vejam a Apple TV, por exemplo, que nunca decolou. Ainda assim, no atual cenário, se uma empresa pode ter a ousadia de mudar mais um paradigma de como as pessoas se relacionam com a tecnologia e fazer a videochamada passar de um recurso pouquíssimo utilizado para algo que faz parte do dia-a-dia das pessoas, é a Apple.
Respondendo a pergunta do título, então: o FaceTime pode não ser propriamente uma revolução, mas certamente tem potencial para mudar muita coisa. É hoje a melhor aposta para qualquer um que acredite que as videochamadas podem sim virar mainstream.