A lan house está diferente
Antes “alugávamos” equipamentos em um ambiente compartilhado pela necessidade do hardware; hoje a máquina está na nuvem
Antes “alugávamos” equipamentos em um ambiente compartilhado pela necessidade do hardware; hoje a máquina está na nuvem
Lembra das lan houses? Minha grande vontade, quando criança, era participar do que chamávamos de “corujão”, quando o local fechava à noite e a turma toda ficava lá jogando, obviamente, até o sol nascer. Nostalgia à parte, esses estabelecimentos eram (ou ainda são) aqueles lugares que recorríamos quando precisávamos usar um computador, fosse para fazer os trabalhos de escola ou jogar Counter-Strike 1.6 na rede local.
Em um ambiente compartilhado, as lan houses sanavam a necessidade do hardware. Com a popularização da tecnologia e da internet em casa, elas foram minguando. Contudo, a necessidade de um equipamento continua e nem sempre nossos dispositivos são suficientes. Simbolicamente, a lan house só mudou de lugar: foi para as nuvens.
A computação em nuvem não é nada nova. No Brasil, a líder de mercado Amazon Web Services (AWS) chegou há 10 anos, mas foi criada em 2006. Há diversos produtos de cloud computing, porém o foco, pelo menos da AWS, é no corporativo. Ainda que algumas soluções afetem, indiretamente, o consumidor final, são as empresas que mais tiram proveito dos produtos, seja para otimizar o trabalho e diminuir custos ou mesmo continuar operando.
A AWS define cloud computing como “a entrega de recursos de TI sob demanda por meio da internet, com definição de preço de pagamento conforme o uso de capacidade e/ou serviços da plataforma”. Trata-se, então, do aluguel de uma máquina para um uso específico, bastando uma conexão com internet para acessar ou gerenciar tais recursos de TI. Embora o conceito seja simples, esse modelo abriu espaço para muitas inovações na indústria — e foi importante em uma crise de saúde sem precedentes.
Durante a pandemia de COVID-19, muitos profissionais recuaram do ambiente de trabalho e precisaram improvisar esse local em uma sala de estar ou quarto. Foi o caso do Grupo Oncoclínicas, um dos maiores conglomerados especializados em oncologia, hematologia e radioterapia da América Latina.
Com o isolamento social, em março de 2020, o grupo precisou dar suporte aos 300 colaboradores em home office. A solução foi usar o Amazon Workspaces para prestar atendimento remoto, solução que permitiu ter 50 máquinas virtuais prontas em 24 horas.
O Amazon Workspaces é um dos serviços do portfólio da AWS (Amazon Web Services), que permite a virtualização de um desktop, seja Windows ou Linux, a partir de qualquer outro dispositivo compatível com acesso à internet. Mas, o que o difere de um desktop tradicional, qual a vantagem de “alugar” uma máquina virtual ao invés de comprar um dispositivo e não ter mais custos futuros?
O Tecnoblog conversou com a Fernanda Spinardi, Head of Solutions Architecture da AWS no Brasil, para entender a proposta.
A grande sacada aqui é que ele [Amazon Workpaces] é um serviço que pode escalar muito rapidamente, assim como todos os outros serviços da nuvem AWS. O grande diferencial é justamente a questão da agilidade. Você pode subir aquele serviço muito rapidamente e, em seguida, fazer o uso da escala da AWS para poder ampliar a utilização daquele serviço.
Em especial o Grupo Oncoclínicas, um dos casos públicos da AWS, chegou ao pico de 400 desktops virtuais na pandemia. Para usar um serviço como o Amazon Workspaces, ainda é preciso ter uma máquina física, para instalar o software da AWS e assim acessar a virtualização do desktop.
Como apontou Fernanda, o escalonamento com o Amazon Workspaces é mais rápido. Imagine comprar, configurar e entregar 400 máquinas aos colaboradores, para um trabalho “temporário” em casa, já que no ambiente de trabalho esse equipamento já está controlado e disponível.
Não preciso dizer que a pandemia colocou à prova os setores de TI das companhias. No mundo corporativo, Fernanda Spinardi observou três necessidades dos clientes: preservação financeira do negócio, trabalho remoto e resiliência da empresa.
O primeiro pilar foi a preservação financeira do negócio. A gente também teve ações, neste período, para ajudar o cliente a otimizar os seus desenhos de arquitetura na nuvem e reduzir custos. Essa é uma prática que já é cotidiana da AWS, a gente realmente liga para o cliente para dizer “olha, você pode gastar menos conosco”. Essa já é uma prática, mas durante a pandemia, a gente fez questão de colocar um time dedicado para acelerar esse processo para os clientes e ajudar na redução de custos.
Em trabalho remoto, entra o próprio caso do Grupo Oncoclínicas. “Além de ter a figura do funcionário trabalhando remotamente, as organizações precisaram escalar os seus sistemas de backoffice para suportar esse trabalho remoto. Em alguns casos precisaram até fazer algumas mudanças de processo para conseguir escalar esse trabalho remoto”, comenta Fernanda.
O terceiro pilar, que acho que foi talvez o grande chamado para nós todos, foi a questão de “o quanto seu negócio é resiliente?”. Ninguém esperava uma pandemia desta proporção e dessa duração, com um impacto tão significativo em praticamente em todos os setores.
Então os clientes passaram a questionar a resiliência dos seus sistemas de TI, mas também a resiliência do seu negócio. Por exemplo: se eu fecho a minha loja, perco um canal de venda, eu estou bem preparada para fazer essa contingência e suportar a venda via um canal digital? Então a gente ajudou muitos clientes a crescerem os seus canais digitais, por exemplo, de vendas.
Pensando, de novo, na necessidade de um hardware para cumprir uma tarefa ou otimizar uma rotina de trabalho, há um uso que não está muito evidente fora da bolha de alguns profissionais: render farms — fazendas de renderização, em tradução livre.
Trata-se da locação de um processamento, em nuvem, para a renderização de um projeto gráfico, seja uma animação ou só um frame 3D. Thiago Carneiro, Lead Unreal Generalist na Pixomondo de Toronto, contou ao Tecnoblog que há uma render farm dentro do próprio estúdio, mas quando faz um trabalho freelancer que exige uma renderização, opta por uma render farm para agilizar os projetos.
Acontece que, durante a renderização, os profissionais preferem não mexer no computador para evitar lentidão no projeto ou alguma sobrecarga de processamento que possa interromper o trabalho. Portanto, nesse processo, o usuário que não dispõe de uma máquina extra, além daquela que está renderizando, fica “ocioso”.
Sempre vamos usar a render farm para várias coisas dentro do estúdio. Às vezes usamos só para poder ter o computador disponível, quando você vai fazer algum teste ou outra coisa que precisa renderizar. Quando você é freelancer e se for um teste pequeno, você faz na sua máquina, mas na empresa, no estúdio, você precisa da sua máquina disponível para trabalhar, não dá para ficar esperando alguma coisa ficar concluída, então a gente sempre joga para a render farm.
Como freelancer, para mim é a mesma coisa. Vamos supor, às vezes eu vou renderizar algo na minha máquina, mesmo sendo uma máquina boa, vamos supor que vá demorar para terminar em 20 horas. Para mim, ficar 20 horas numa função sem eu poder usar [o computador] por esse tempo é bastante caro, aí eu pego e vou para uma render farm.
Thiago Carneiro.
Em acordo, Felipe Stevanatto, artista 3D também faz uso de render farm, comenta que há outro fator importante que o faz optar por uma solução de renderização em nuvem:
Em alguns casos existe um limite do hardware na capacidade de renderização. Geralmente, nossos hardwares têm o limite de você abrir o renderizador e se ele passar desse limite, não vai nem começar renderizar, vai fechar. Então, esse limite de capacidade é um ponto também que a render farm tem como vantagem. Há projetos que você não consegue renderizar [localmente], então o render farm salva nisso.
Os usos da computação em nuvem ainda estão bem conectados com o mundo corporativo, em aplicações e produtos para ajudar empresas e profissionais nessa otimização de processos. Mas, há um exemplo “palpável” de como essa tecnologia também está no controle do usuário comum, o consumidor final. Não para trabalho e sim diversão.
Jogar via nuvem, pela internet, também não é uma prática nova em alguns países, mas ainda é no Brasil: serviços como o Google Stadia, Microsoft xCloud, Nvidia Geforce Now ou Amazon Luna não estão disponíveis por aqui. Fazem parte da realidade de algumas pessoas mundo afora, como uma alternativa aos console de videogame ou ao PC gamer.
Edinardo Silva, conhecido como Dino Saverin no YouTube, mora na França. Seu canal tem abordado o cloud gaming. O jogador se declara entusiasta desses serviços de nuvem, tanto que faz questão de assinar todos listados acima, exceto a Luna, ainda não disponível por lá.
Enquanto eu tava navegando no site de notícias, eu vi uma propaganda escrito “Google Stadia: experimente…”. Então eu fui lá e experimentei, sabe? Peguei três meses gratuitos, bem no comecinho.
E cara, no começo eu admito que a gente percebia alguns travamentos, algum erro no jogo, aí você tinha que abrir de novo. Eu jogava nessa época só no computador, mas assim mesmo eu já achava o serviço de bastante qualidade.
Já hoje, Edinardo diz não saber a diferença de estar jogando via nuvem ou em um console local, justamente pela evolução do serviço.
Eu fiz uma viagem recente para Barcelona (Espanha) e a internet do hotel que eu estava hospedado era de 15 Mb/s e como eu estou jogando Assassin’s Creed Valhalla, fui dar continuidade, porque eu levei o meu controle do Google Stadia. Funcionou perfeitamente.
Ainda que os serviços não estejam oficialmente no Brasil, para adesão de qualquer pessoa, é possível contornar bloqueios de território com uma VPN e aproveitar algumas dessas ofertas. É o caso de Rivison Delmondes, radiotecnólogo que reside em Salvador (BA).
Aqui a gente tem que usar a VPN, a experiência nem sempre vai ser plena, tem dia que está boa, tem dia que não está tanto; mas quando a VPN está boa, meu amigo, é como se tivesse jogando num console, viu?
Rivison ainda tem console, um Xbox One, e é jogador desde o Master System. Descobriu os serviços de cloud gaming há cerca de dois anos, com o GeForce Now da Nvidia. “Só tinha a opção de jogar no Android, através de celular, telinha pequena. Mas eu ficava impressionado como uma telinha pequena ia jogar jogo de console. Porque não é um emulador, é um console que você tá jogando jogos da geração atual”, explicou.
Também declarado entusiasta, Rivison divide a gameplay entre o Xbox One, Stadia, GeForce Now e o xCloud — este último sem a necessidade da VPN, já que é um dos testadores do beta no Brasil. Porém, reconhece que a experiência ainda não é 100% por conta do requisito de uso de uma VPN (para o Stadia e GeForce Now).
Eu, por exemplo, sempre tive videogame, mas a gente sabe que no mercado de videogames (…) a maioria das pessoas não têm acesso a isso. Então eu olho o cloud gaming como uma forma de democratizar os jogos, muita gente que ainda não jogou vai poder jogar.
Assim como produtos de nuvem para empresas, o cloud gaming também traz vantagens para os jogadores, uma delas é a extinção de downloads ou atualizações locais. Teoricamente, é só clicar e jogar. Aquele jogo esperado lançou agora? Ótimo, é só entrar e jogar.
A partir do momento que eu comecei a jogar em cloud, eu parei de comprar jogos físicos e basicamente todos os jogos que eu comprei recentemente foram os jogos em nuvem. No meu ponto de vista, isso é o futuro, sabe? Ainda mais por causa da pirataria, com esse tipo de serviço você diminui bastante a pirataria, as empresas têm mais controle sobre os mods. Não sei qual a empresa que não quis lançar jogo para PC por causa disso, porque a pessoa ia modificar (…). Então eu acho que o serviço em nuvem deixa os jogos mais seguros. Têm muitas vantagens.
Edinardo Silva.
Rivison citou a democratização do videogame, o acesso para mais pessoas, mas a vantagem também está do lado das empresas. Enquanto consoles exigem que grandes marcas distribuam o hardware pelo mundo (Sony, Nintendo, Microsoft), serviços de nuvem são mais flexíveis, afinal, trata-se de um serviço, permitindo que mais empresas compitam por esse mercado.
Desde que a gente consiga ter o acesso às nuvens, talvez. Se não há conexão, não há serviço. Dá para ver que o caminho é este, mas se pensarmos em um futuro que só está nas nuvens, quando a internet estiver indisponível, o que não é raro por aqui, podemos ficar sem comunicação, trabalho ou lazer.
Do lado do cloud gaming, outro ponto a se considerar é o limite da banda larga fixa. Jogar por streaming consome muita banda, o Google estima um consumo de 20 GB por hora, numa jogatina a 4K. Dependendo do contrato, a franquia pode se esgotar em dias ou horas. No Brasil, a Anatel proíbe a redução da velocidade ou corte da internet, mas ainda precisamos temer esse limite.
Até o futuro estar nas nuvens, há muito o que crescer e mudar (em serviços, costumes e legislações), mas é certo que o potencial está aí.
Quando eu olho a adoção de tecnologia da nuvem, os estudos mostram que só 5% do investimento de TI no mundo está na nuvem, os outros 95% ainda estão no on-premises (instalações locais). Isso para mim, traduz o potencial de inovação que essas empresas ainda podem alcançar, transformando a nossa experiência de cidadão, usuário e residente dentro da nossa casa.
Eu acho que o próximo passo dos jogos com plataformas como a Luna é o que eu vi acontecer com a “virtualização do vídeo cassete” pela Netflix: eu saí do dispositivo físico para ter um serviço sob demanda rodando na nuvem, o que a gente está propondo com a plataforma de games.
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Fernanda Spinardi.