As redes neutras podem mudar a internet no Brasil
Entenda como funciona o modelo comercial de rede neutra e como ele pode aumentar a concorrência de banda larga no Brasil
Entenda como funciona o modelo comercial de rede neutra e como ele pode aumentar a concorrência de banda larga no Brasil
A reestruturação da Oi trouxe à tona o conceito de redes neutras para o cotidiano brasileiro. A operadora quer transformar toda a infraestrutura da Oi Fibra numa empresa aberta para outros provedores de internet. O modelo foi defendido por concorrentes como TIM e Vivo, que também planejam se aventurar no formato.
Esse tipo de rede permite que diversas operadoras atuem com uma mesma infraestrutura, o que permitirá otimizar os investimentos e aumentar a concorrência de internet banda larga no Brasil.
O Tecnoblog conversou com Rogério Takayanagi, vice-presidente de Estratégia e Transformação da Oi. Ele explica: “Redes neutras são redes que podem ser fixas ou móveis e que atendam vários operadores de telecomunicação de forma não discriminatória”.
Para o executivo, o formato lembra o compartilhamento das torres de telefonias móveis, que é amplamente adotado no Brasil, defendido pelas operadoras e incentivado pela própria Anatel. “Este tipo de compartilhamento (…) ajudou a comprovar o valor do modelo para o setor”.
Na prática, um operador neutro habilita que várias companhias utilizem a mesma infraestrutura, que pode ser fibra óptica, cabos metálicos, redes móveis e até mesmo satélite. Uma empresa interessada em se tornar um provedor de internet pode simplesmente alugar a capacidade dessa rede e cobrir cidades inteiras sem gastar um centavo com rede própria.
Para o consumidor final, o serviço é transparente e o usuário nem precisa saber que está conectado em uma rede neutra. Todo o atendimento, desde a instalação até o suporte técnico é feito pela operadora contratada. Várias empresas conseguem operar no mesmo cabo graças a tecnologias como VLANs, que permite a criação de redes virtuais na camada de enlace.
É importante lembrar que as redes neutras são completamente distintas das operadoras virtuais, que as companhias-mãe revendem a infraestrutura existente sem o controle e gerência de rede. “As redes neutras se caracterizam por fazer altos investimentos na infraestrutura de telecomunicações e vender esta capacidade para vários ‘inquilinos’. Desta forma, não só consegue ter acesso a capital de forma mais econômica, mas também uma otimização do uso da infraestrutura construída”, afirma Takayanagi.
A demanda por internet fixa é crescente no Brasil. Dados da Anatel de agosto de 2020 mostram que o país possuía 34,3 milhões de acessos de banda larga. No mesmo período do ano anterior, eram 32,9 milhões de modens e em 2018 tínhamos 30,8 milhões de contratos.
Os acessos cresceram consideravelmente graças aos pequenos provedores, que desempenharam um papel importantíssimo para a popularização de fibra óptica no Brasil. Em 2018, 18,6% de todas as conexões no país utilizavam o formato FTTH; em 2019, o número saltou para 31,5%, e agora a fibra óptica já atinge 41,3%.
Só que as grandes operadoras ainda não conseguiram atingir o mesmo patamar de fibra: em 2018, Claro, Oi, TIM, Vivo e Algar tinham apenas 10,9% de acessos com fibra; em 2019, o número saltou para 19,2%, enquanto em agosto de 2020 são 27,5% de conexões FTTH.
Parece uma alta grande, mas esse número está inflado pelas desconexões do cobre: juntas, essas grandes operadoras perderam quase 5 milhões de clientes de banda larga fixa com tecnologia legada entre 2018 e 2020.
A Oi já entende que as velocidades oferecidas no cobre não atendem às expectativas do consumidor, parou de vender novos acessos com tecnologia xDSL e concentra quase todos os esforços na construção da rede de fibra. A Vivo também tem feito a sobreposição da rede de cobre nas áreas da GVT e da Telefônica de São Paulo, mas de forma bem lenta.
A única grande operadora que está numa posição “confortável” é a Claro, que usa cabos coaxiais na maioria dos municípios. A tecnologia adotada permite entregar velocidades de download equiparáveis às de fibra óptica graças ao padrão DOCSIS 3.1, mas com o ônus de velocidades de upload baixas e interferências eletromagnéticas, que não ocorrem na fibra. A própria empresa já adota fibra nas localidades entrantes — e não duvido que num futuro distante passe a atender as regiões mais rentáveis de grandes cidades com FTTH.
De qualquer forma, as grandes operadoras precisam da fibra para conter a queda nos acessos e continuarem relevantes no mercado de telecomunicações. A adoção do modelo de redes neutras dão chance para as companhias maximizarem seus investimentos, seja aumentando a ocupação das portas de fibra ou alugando a infraestrutura neutra de outras empresas.
O CEO da TIM, Pietro Labriola, disse em entrevista coletiva que a empresa já tem mais de 20 acordos de não-divulgação para construção de rede neutra. “Tem parceiro puramente financeiro e parceiro industrial”, comentou o executivo ao diferenciar investidores e empresas de infraestrutura. No passado, o executivo não descartou que a TIM se torne cliente da InfraCo — ou seja, a operadora poderia alugar a infraestrutura neutra da Oi para chegar a mais clientes.
As redes neutras trazem vantagens, tanto para a dona da infraestrutura quanto para quem aluga. Takayanagi afirma que a adoção do modelo neutro permite uma redução de custos para todos os envolvidos: “Isso permite a companhia destravar seus investimentos, atrair novos investidores, acelerar o capex e a expansão da rede de fibra”.
O executivo também aponta que a expansão do serviço deve contribuir para a inclusão digital no país. “Através desse modelo, reduzimos investimentos redundantes nas redes de transporte. Com isso, os prestadores de serviço podem focar seus investimentos e atenção no seu serviço core. Acredito que teremos uma melhor competição com maior qualidade e preços competitivos”, afirma Takayanagi ao Tecnoblog.
É certo que com mais concorrência, a rede ficaria mais “cheia”. Ao ser questionado sobre como a experiência do usuário pode ser comprometida, Takayanagi afirma que os critérios de dimensionamento devem sempre prever a demanda.
“A ideia de ter uma maior ocupação é diminuir a ociosidade, buscar sinergia nos investimentos e não de ocupar as redes além de suas capacidades. Por exemplo, ao invés de lançar dois cabos de fibra óptica ao longo de uma rodovia, você pode lançar apenas um e colocar um equipamento mais potente nas pontas para atender mais de um cliente”, afirma o executivo.
Uma hipotética adoção massiva de redes neutras poderia solucionar alguns problemas urbanos, como a grande bagunça gerada pelos cabos dos postes de energia. Por aqui, é importante ressaltar que as concessionárias de energia são as donas desses postes, que são alugados para operadoras pendurarem seus cabos de telecomunicações.
As normas da Aneel permitem que cada poste tenha uma faixa de 50 cm para acomodar até cinco pontos de fixação para serviços de telecomunicações. Só que há locais onde uma única operadora extrapola sozinha a capacidade permitida, e também há regiões onde existem mais de cinco provedores de internet.
Com postes tão cheios, novas operadoras encontram dificuldades para instalarem sua infraestrutura, uma vez que a companhia de energia não irá alugar seus postes enquanto as empresas atuais extrapolam a capacidade máxima. É por isso que vários pequenos provedores utilizam os postes de forma irregular e já tiveram seus cabos cortados.
Com várias operadoras dividindo os mesmos cabos de fibra óptica, seria possível remover diversos fios dos postes de energia. Por sinal, essa é a sugestão da Superintendência de Competição da Anatel, que sugere um operador neutro para lidar com ocupação desses postes. Caso contrário, a agência estima um custo de R$ 20 bilhões para reordenar os cabos de telecomunicações em 1,4 mil cidades do Brasil.
Para virar um provedor neutro, a Oi decidiu adotar a separação estrutural da empresa. A InfraCo será a unidade produtiva isolada responsável pela construção e gerenciamento da rede de fibra, enquanto a ClientCo será a dona dos clientes da operadora. Rogério Takayanagi disse que Oi se inspira em operadoras de países como Austrália, Índia, Itália, Reino Unido e Tchéquia.
No entanto, a separação estrutural de uma operadora já existente não é o único formato existente. É possível criar uma rede neutra do zero, sem companhias telefônicas envolvidas, na qual o provedor ou o próprio cliente paga o aluguel da infraestrutura de fibra.
Na Itália, a Open Fiber é uma empresa agnóstica que leva infraestrutura óptica para centenas de cidades e atende mais de 150 diferentes provedores de internet. Nem todos estão disponíveis em qualquer município, mas cada empresa tem diferentes planos, valores e qualidade de acesso. A fibra atualmente suporta velocidades de até 1 Gb/s para o consumidor final.
Outro exemplo interessante é a Utopia Fiber, que atua nos Estados Unidos em localidades selecionadas do estado de Utah. A empresa cobra mensalidade de 30 dólares do cliente de banda larga que quer utilizar a rede. O acesso à internet é cobrado separadamente pelo próprio provedor. Cada operadora tem seu próprio preço, qualidade de acesso e serviços adicionais, que oferecem velocidades de 250 Mb/s até 10 Gb/s.