Por que temos poucas operadoras de celular no Brasil?

Quebrando mitos: entenda as limitações para novas operadoras móveis e saiba a diferença entre o Brasil e o exterior

Lucas Braga
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• Atualizado há 12 meses
Por que temos poucas operadoras de celular no Brasil?

O setor de telecomunicações é um dos piores avaliados no Brasil: o ranking do Procon-SP mostra três companhias de celular entre as dez empresas mais reclamadas. Ao mesmo tempo, o tamanho do mercado é enorme: dados de março de 2020 mostram que existem 226,3 milhões de linhas móveis ativas no país. Parece um cenário bom para que mais empresas compitam pela gaveta do chip do seu celular.

Mas não é o que acontece. Atualmente, temos quatro grandes empresas de telefonia móvel e já especulamos sobre a fusão de uma delas. 33% das linhas móveis pertencem à Vivo, 25,9% são da Claro (incluindo a Nextel), 23,3% usam TIM e 16,2% usam Oi. Também temos operadoras regionais, bem menores, como a Sercomtel, que atua em Londrina (PR), além da Algar, que presta serviço em municípios do interior de MG e SP.

Além disso, o mercado brasileiro sofre com o fenômeno da consolidação. A Claro comprou a Nextel em 2019, e a Oi deve vender seu braço móvel ainda em 2020, como estratégia de reerguer o negócio através de rede fixa usando fibra óptica.

No entanto, a situação daqui não é tão diferente comparada aos outros países.

Existe um limite físico para redes sem fio

O campo eletromagnético é compartilhado entre diferentes sistemas de comunicação sem fio, e a capacidade disponível é utilizada entre diferentes aplicações,  como TV aberta, rádio AM e FM, TV via satélite, radionavegação marítima e aeronáutica, meteorologia, etc.

Embora não seja possível enxergá-lo com os olhos, existe uma barreira física que impede a construção de quantas radiotransmissões quisermos: o espectro das radiofrequências. Se uma mesma frequência é utilizada simultaneamente entre diferentes sistemas, ocorre interferência e nenhum dos serviços funciona direito.

Torre de telefonia celular. Foto: Lucas Braga

Para evitar esse tipo de problema, a maioria dos países considera o espectro como um bem público e licencia uma faixa do campo eletromagnético para utilização em serviços. Não é uma tarefa fácil. No Brasil, a entidade responsável por controlar e regulamentar as frequências é a Anatel.

Como forma de manter uma padronização internacional, é necessário que os territórios sigam as normas da União Internacional de Telecomunicações (ITU, na sigla em inglês); caso contrário, cada país deveria desenvolver suas próprias tecnologias, o que elevaria o custo de pesquisa e desenvolvimento de produtos, além de impossibilitar interoperabilidade entre produtos de diferentes países.

Veja por exemplo a banda 7, responsável pelo início da tecnologia 4G no Brasil. A frequência é conhecida como 2,5 GHz, mas na prática trata-se de um intervalo entre 2.500 MHz e 2.690 MHz. A Anatel leiloou pedaços dessa frequência para que cada empresa tenha o direito de disponibilizar o serviço individualmente. A reguladora dividiu a capacidade em cinco lotes, sendo quatro nacionais e um regional:

LoteCapacidade totalIntervalo de frequênciaOperadora
W40 MHz
(20 MHz + 20 MHz)
2.510 MHz a 2.529 MHz para upload
2.630 MHz a 2.649 MHz para download
Claro
X40 MHz
(20 MHz + 20 MHz)
2.550 MHz a 2.569 MHz para upload
2.670 MHz a 2.689 MHz para download
Vivo
V120 MHz
(10 MHz + 10 MHz)
2.530 MHz a 2.539 MHz para upload
2.650 MHz a 2.659 MHz para download
TIM
V220 MHz
(10 MHz + 10 MHz)
2.540 MHz a 2.549 MHz para upload
2.660 MHz a 2.659 MHz para download
Oi
P20 MHz
(10 MHz + 10 MHz)
2.500 MHz a 2.509 MHz para upload
2.620 MHz a 2.629 MHz para download
Lote regional, varia entre DDDs

Duvido que você tenha feito as contas, mas ainda sobrou capacidade entre 2.570 MHz e 2.619 MHz. A faixa não se enquadra na banda 7 pelas especificações do ITU, mas sim na banda 38, com transmissão de download e upload no mesmo canal. Esse espectro não está desocupado e foi leiloado para operadoras como a Sky, que adquiriram a capacidade para atuar com banda larga fixa utilizando LTE.

Dessa forma, toda a capacidade de espectro entre 2.500 MHz a 2.690 MHz foi leiloada pela Anatel. Se uma nova operadora decidir ligar uma rede do dia para a noite utilizando qualquer um dos arranjos da banda 7, causará interferências nas concorrentes e em si mesma.

Isso também se repete para todas as outras frequências e tecnologias, e não é incomum que moradores das áreas com maior densidade populacional reclamem do Wi-Fi congestionado enquanto o cabo de rede entrega toda a velocidade contratada. Daí que surge a necessidade de utilizar a frequência de 5 GHz, que possui um alcance menor e, assim, gera menos interferência com os equipamentos de vizinhos.

E se dividir mais o espectro?

Aí você questiona: e se dividirmos o espectro disponível em lotes menores? Se o arranjo for compatível com o padrão da ITU, é tecnicamente viável: a tecnologia LTE, por exemplo, suporta blocos de subida ou descida com 1,4 MHz, 3 MHz, 5 MHz, 15 MHz e 20 MHz. Com blocos menores, seria possível ter mais operadoras disputando o mercado.

Só que o espectro também é sinônimo de capacidade: uma operadora atuando com 3 MHz, por exemplo, enfrentaria dificuldade para conseguir entregar velocidade, estabilidade e suportar vários clientes pendurados na mesma torre.

Como funciona a divisão de espectro
Como funciona a divisão de espectro (Foto: Henrique Pochmann/Tecnoblog)

A especificação do LTE estima que cada célula de 5 MHz suporta pelo menos 200 clientes de dados ativos; uma capacidade pequena resulta, proporcionalmente, em não conseguir entregar um bom serviço em áreas de maior movimentação, como centros urbanos com aglomeração de pessoas. 

Na prática, o custo-benefício não vale a pena: é melhor ter uma boa conduta de espectro e disponibilizá-la ao máximo para que as pessoas tenham um melhor serviço do que dividir o bolo em pequenas fatias, que seriam ocupadas desproporcionalmente porque uma operadora teria mais clientes pendurados que a outra.

Todas as quatro operadoras brasileiras já atuam com tecnologias como LTE Advanced e LTE Advanced Pro, popularmente conhecidas como 4G+ ou 4,5G. A tecnologia consiste na agregação de diferentes portadoras, ou seja, combinar o sinal de diferentes faixas do espectro licenciado para oferecer um serviço de melhor qualidade e maior velocidade.

Teste de velocidade 4G. Foto: Lucas Braga/Tecnoblog

Outros países possuem muitas operadoras. E aí?

Não é incomum encontrar alguém falando que viajou para os Estados Unidos ou Europa e afirmar sobre a existência de dezenas de operadoras de celular. Não é mentira, existem mesmo: visitar um supermercado na gringa para comprar um chip para usar na viagem chega a ser uma tarefa desafiadora com tantas opções disponíveis.

CN Tower, em Toronto. Torre também possui antenas de celular. Foto: therise/Pixabay

Só que, na prática, os Estados Unidos possuem… quatro operadoras. Ou melhor, três, porque a fusão entre duas delas foi aprovada por órgãos do governo. A grande “concorrência” se dá pelo fato de um amplo mercado de operadoras móveis virtuais, que utilizam a rede da AT&T, Verizon e T-Mobile. Uma rápida consulta retorna 108 diferentes companhias, que vendem seus respectivos planos, cada um com sua vantagem.

Eis uma lista de países desenvolvidos com suas respetivas operadoras de rede móvel própria e que alugam sua infraestrutura para operadoras virtuais.

PaísNúmero de redes móveisEmpresas
🇩🇪 Alemanha3T-Mobile
Vodafone
O2
🇦🇺 Austrália3Telstra
Optus
Vodafone
🇨🇦 Canadá4Bell
Rogers
Telus
Freedom
🇨🇱 Chile4Entel
Movistar
Claro
WOM
🇪🇸 Espanha4Movistar
Vodafone
Orange
Yoigo
🇺🇸 Estados Unidos3AT&T
Verizon
T-Mobile (incluindo a Sprint)
🇫🇷 França4Bouygues
Free
Orange
SFR
🇮🇹 Itália4Iliad
TIM
Vodafone
W3
🇯🇵 Japão4au
NTT DoCoMo
Rakuten Mobile
SoftBank
🇲🇽 México3Telcel
Movistar
AT&T
🇵🇹 Portugal3MEO
NOS
Vodafone
🇬🇧 Reino Unido33
EE
O2
Vodafone
🇸🇪 Suécia43
Telia
Tele2
Telenor

Como funciona uma operadora virtual (MVNO)?

As operadoras móveis virtuais compram o serviço das grandes operadoras no atacado e revendem para seus clientes, normalmente com foco em algum nicho.

Com isso, uma empresa consegue se tornar uma operadora virtual sem precisar investir em infraestrutura de torres, antenas, licenciamento, manutenção e espectro, mas cuidam das vendas, faturamento e atendimento ao consumidor.

SIM Cards. Foto: Lucas Braga/Tecnoblog

Continuando com os Estados Unidos como exemplo, é possível ter empresas com foco em estrangeiros e imigrantes, como é o caso da Telcel América. A empresa pertence ao mexicano Carlos Slim (dono da Claro e Telcel México) e utiliza rede da T-Mobile, mas oferece ligações ilimitadas para números do Canadá, China, Índia e México. Esse tipo de condição não é normalmente encontrado nos planos das operadoras maiores.

Também existem operadoras com foco em preço baixo e, para isso, sacrificam velocidade e prioridade na rede: o celular do coleguinha ao lado provavelmente funcionará melhor quando a rede estiver congestionada. É o caso da H2O Wireless, que usa a rede da AT&T, mas tem velocidade limitada em 8 Mb/s.

Para oferecer o menor preço possível, esse tipo de companhia costuma bloquear o uso de smartphone como modem (função Roteador ou Acesso Pessoal), além de reduzir a velocidade em streaming de vídeo, gerando menor tráfego na rede.

Ainda assim, existem operadoras virtuais com planos mais tradicionais e similares aos da operadora mãe. É o caso da Xfinity Mobile, que usa rede da Verizon. A Xfinity (Comcast) é líder de mercado em TV por assinatura e banda larga fixa nos Estados Unidos, mas não possui presença com rede móvel. Com uma MVNO, a operadora se mantém no mercado de telefonia móvel e consegue oferecer combos completos para seus clientes, sem gasto com infraestrutura de rede e elevando o gasto médio por usuário.

Cadê as operadoras virtuais brasileiras?

A verdade é que temos MVNOs operando por aqui, mas quase ninguém sabe disso e é um mercado que evoluiu pouco por aqui.

A principal operadora virtual do Brasil é a Correios Celular, pertencente aos Correios. O modelo de negócios tem foco exclusivo para comercialização de planos pré-pagos. A Correios Celular utiliza a cobertura da TIM e tem planos que custam entre R$ 25 e R$ 75 por mês.

Outra MVNO que vende planos para pessoas físicas é a Americanet. A empresa tem 32 mil linhas ativas e atua como operadora de banda larga fixa em alguns municípios do estado de São Paulo, mas também vende planos de celular. A operadora utiliza a rede da TIM e tem como diferencial a cobertura no exterior em alguns planos, com roaming internacional sem custo em mais de 100 países.

Além disso, existem outras MVNOs, como Maga+, Gospelcel, Paraisópolis Celular, Cinco ou Arqia. Algumas outras deixaram de existir, como a Porto Seguro Conecta e Mais AD. Também temos a Veek, que deixou de existir, mas ressurgiu com planos para usar somente WhatsApp.

Companhias como Surf Telecom (que já tem mais de 1 milhão de chips), Datora e Americanet trabalham como MVNA ou MVNE (agregadoras ou facilitadoras de operadoras móveis virtuais), permitindo que demais empresas, como lojas ou clubes de futebol tenham uma operadora própria sem despender expertise e mão de obra própria.

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Lucas Braga

Lucas Braga

Repórter especializado em telecom

Lucas Braga é analista de sistemas que flerta seriamente com o jornalismo de tecnologia. Com mais de 10 anos de experiência na cobertura de telecomunicações, lida com assuntos que envolvem as principais operadoras do Brasil e entidades regulatórias. Seu gosto por viagens o tornou especialista em acumular milhas aéreas.

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