Depois dos podcasts, o Spotify vai atrás dos audiolivros
Empresa já oferece 300 mil títulos em países de língua inglesa; o início da operação foi "atrapalhado" pelas regras da Apple
Empresa já oferece 300 mil títulos em países de língua inglesa; o início da operação foi "atrapalhado" pelas regras da Apple
Em 1997, um dispositivo curioso chegou ao mercado americano: o Audible MobilePlayer. Seu foco era muito específico: o consumo de audiolivros. Aguentava incríveis duas horas de conteúdo, e com ele você podia ouvir conteúdos baixados diretamente da World Wide Web.
O produto não decolou, é claro. Vários anos mais tarde, a Audible, empresa que o lançou, se tornou o principal player do mercado de audiolivros, e acabou comprada pela Amazon. Nessa época, já não havia a necessidade de vender um aparelho dedicado. Afinal, o celular já resolvia o problema.
Assim, o Audible MobilePlayer se juntou aos K7s e CDs como plataformas das quais os audiolivros já dependeram para ser ouvidos. Hoje, o formato está mais maduro e já fomenta um mercado que, só nos EUA, movimentou US$ 1,6 bilhão em 2021. E quem quer uma fatia dessa grana é o Spotify, que, em setembro, iniciou uma investida nesse segmento. Nos EUA e outros países de língua inglesa, já são cerca de 300 mil títulos.
Faz todo sentido. A plataforma já abraçou os podcasts, tornando-se um dos competidores mais relevantes do setor. O potencial para os audiolivros claramente existe.
Os planos do Spotify parecem ambiciosos, e as perspectivas são, no mínimo, interessantes. No entanto, o início de sua operação com livros em áudio não foi das mais tranquilas.
O lançamento da loja de audiolivros do Spotify foi marcado por um desentendimento com a Apple. Mais um, aliás, já que as duas empresas já se estranharam em outras ocasiões.
O motivo está nas regras da App Store. Eles ditam que a Apple fica com uma fatia das transações efetuadas em aplicativos baixados de sua loja – a famosa taxa de 30% que gera tantas polêmicas. Qualquer venda de audiolivros no aplicativo, portanto, seria repartida com a empresa de Tim Cook.
Aqui vale uma pausa para esclarecer: sim, venda. Nessa empreitada, o Spotify oferece um modelo mais tradicional de negócio, diferente do streaming. Dessa forma, o usuário paga por cada título individual, e ele é acrescentado à sua biblioteca.
Isso tem a ver com a negociação com grupos editoriais que fornecem os audiolivros para a plataforma. É o que esclarece Antonio Hermida, gerente de áudio da Bookwire no Brasil, em entrevista ao Tecnocast.
O Spotify até que tentou se esquivar da taxa da Apple: o usuário recebia um link para efetuar a compra direto em seu e-mail. A partir dali, ele confirmava a aquisição do título. Mas mesmo isso é contra as diretrizes da Apple, o que levou a protestos do CEO do Spotify.
A situação é uma amostra do que o Spotify terá pela frente se quiser entrar de cabeça no mundo dos audiolivros. Isso sem falar na concorrência que terá à sua frente.
Se há um nome que hoje demonstra força no mercado de audiolivros, é a Audible. Com a robustez da Amazon por trás e uma trajetória já consolidada no ramo, a empresa já está presente em diversos mercados. O Spotify, por sua vez, apenas começou a expansão de sua loja para outros países de língua inglesa além dos EUA.
Falando em mercados fora dos EUA, a Audible já tem títulos em português, embora não tenha desembarcado oficialmente no Brasil. Mas algumas movimentações no mercado, apontadas no Tecnocast 269, sugerem que isso pode estar próximo.
Antonio Hermida acredita que essa é a briga que tende a se desenrolar nos próximos anos: Audible vs. Spotify. E destaca algumas das particularidades de cada um para atrair usuários, inclusive no Brasil.
Por um lado, o Spotify é o maior streaming de música do mundo. Ou seja: os usuários já estão ali. Soma-se a isso o algoritmo de recomendação da plataforma, que poderia cruzar dados de gêneros musicais e podcasts para gerar recomendações de audiolivros para os usuários. O que o Spotify já construiu com seus demais produtos certamente fortalece suas chances no novo mercado.
Acontece que, além da dianteira em vários países, a Audible tem a estrutura da Amazon em seu favor. A empresa trabalha com créditos que o usuário troca por audiolivros, um esquema um pouco confuso, mas nada impede que possa ser adaptado dependendo do contexto. Inserir o Audible no bundle do Prime, por exemplo. Com mais produtos aos quais associar os audiolivros, a Amazon tem mais opções do que o Spotify.
Será interessante acompanhar os próximos movimentos do Spotify para ganhar tração nessa nova empreitada. Há também a possibilidade de tentar fechar parceiras com editoras para produções exclusivas, mais uma forma de atrair e fidelizar usuários. A empresa utilizou fortemente desta estratégia com podcasts, aliás.
Enfim, é um cenário ainda em formação, mas certamente empolgante para quem deseja consumir livros também em forma de áudio.
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