Dez anos de Android: como surgiu o sistema móvel mais usado do mundo
HTC Dream, primeiro smartphone com Android, foi lançado em 23 de setembro de 2008. Neste aniversário de dez anos, conheça a história do Android.
HTC Dream, primeiro smartphone com Android, foi lançado em 23 de setembro de 2008. Neste aniversário de dez anos, conheça a história do Android.
No último dia 23, o Android soprou as velinhas do seu décimo aniversário. O Google não realizou nenhuma grande celebração para comemorar, mas, se o fizesse, não seria exagero: o sistema operacional completou uma década de existência dominando entre 80% e 90% do mercado de smartphones.
Mas, para chegar a esse ponto, a plataforma teve que passar por um começo cheio de incertezas. Que tal saber como tudo começou e, de quebra, conhecer os primeiros smartphones Android? É o que você verá a seguir.
A primeira versão oficial do Android foi lançada em 23 de setembro de 2008, mas a história do sistema operacional começou muito antes, em outubro de 2003. Foi nessa época que Rich Miner, Nick Sears, Chris White e Andy Rubin montaram em Palo Alto, na Califórnia, uma empresa chamada Android Inc.
Andy Rubin é o nome mais importante desse quarteto, tanto que, com justiça, ele é conhecido no mundo todo como “pai do Android”. Engenheiro de software experiente, teve passagens por grandes empresas, entre elas, Carl Zeiss e Apple.
Ironicamente, foi da Apple que o nome Android saiu: esse foi o apelido que Rubin recebeu de seus colegas de empresa por conta de sua devoção aos robôs. Não por menos, o engenheiro usou o endereço android.com como seu site pessoal até 2008.
Mas olhemos para um passado mais distante. Era 1989 quando, em uma viagem de férias, Rubin hospedou um engenheiro da Apple chamado Bill Caswell que havia sido expulso pela namorada da casa de praia em que estava. A amizade cresceu e resultou em um convite de trabalho. Foi assim que, naquele mesmo ano, Andy Rubin entrou para a Apple.
O que Rubin certamente não esperava é que o seu futuro interesse por celulares seria plantado ali. Em 1995, três anos depois de ter saído da companhia, ele passou a trabalhar na General Magic. Essa empresa surgiu para assumir o projeto de um computador pessoal portátil que a Apple desenvolveu por algum tempo, mas acabou deixando de lado.
Várias tecnologias para dispositivos móveis foram desenvolvidas ali dentro, e Rubin se envolveu em boa parte delas, até que, em 1997, ele se juntou à WebTV.
Essa empresa foi comprada pela Microsoft e deu origem à MSN TV. Consequentemente, Andy Rubin se tornou funcionário de Bill Gates. Mas não por muito tempo: o interesse por dispositivos móveis falava mais alto e, em 1999, ele saiu da Microsoft e fundou a Danger.
A Danger dificilmente é lembrada, mas a startup foi mais importante para o Android do que se pensa. Tendo como base, presumivelmente, a experiência adquirida de Rubin na General Magic, a empresa desenvolveu um celular com tela retrátil e teclado alfanumérico que chamou bastante atenção na época: o Danger Hiptop.
Lançado em 2002, o aparelho também ficou bastante conhecido como T-Mobile Sidekick por ter sido lançado pela operadora. Dois de seus trunfos foram o foco em experiência do usuário e em conectividade móvel — naquela época, a grande maioria dos celulares servia apenas para chamadas e mensagens de texto, basicamente.
O Danger Hiptop — ou T-Mobile Sidekick — ganhou outras versões nos anos seguintes e chegou a enfrentar a concorrência ferrenha das então líderes Nokia e BlackBerry, ainda que sem alcançar os volumes de vendas destas.
Falando em Nokia, a Microsoft carrega a (má) fama de ter destruído a marca após comprar a divisão de dispositivos móveis da companhia finlandesa, mas essa não foi a primeira tentativa fracassada da turma do Windows no segmento: no começo de 2008, a Microsoft adquiriu a Danger por US$ 500 milhões.
A falta de uma estratégia bem definida para o segmento móvel fez a então nova divisão estacionar no tempo. Para piorar, uma falha em um datacenter levou a Microsoft a perder dados importantes de usuários do Sidekick. A recuperação levou mais de dois meses. Era o prenúncio do fim.
Alguns funcionários da Danger foram movidos para o projeto do Microsoft Kin, mas essa linha de celulares é outro exemplo notável de fracasso. Àquela altura, porém, Rubin já era um importante funcionário do Google e estava envolvido em um projeto muito mais promissor.
Andy Rubin saiu da Danger em 2003 e, no mesmo ano, criou a Android Inc. em parceria com Rich Miner (investidor), Nick Sears (ex-executivo da T-Mobile que ajudou no lançamento do Sidekick) e Chris White (trabalhou com Rubin na WebTV).
Naquela época, o grupo planejava lançar o Android como um sistema operacional para câmeras digitais. O usuário poderia conectar o equipamento a um PC via rede sem fio e, a partir daí, transferir as fotos automaticamente para as nuvens. Essa era uma das funções previstas. Mas reuniões com investidores logo deixaram claro que esse nicho não tinha potencial de crescimento.
A empresa decidiu mudar o foco do projeto para telefones celulares, um caminho natural, dada a experiência de Rubin com a Danger. Mas, em vez de desenvolver uma linha de aparelhos, o quarteto elaborou um plano de negócio focado em licenciamento.
Só que não era um modelo de licenciamento voltado a fabricantes, como é hoje. O foco estava nas operadoras. Soa estranho, mas, naquela época, companhias de telecomunicações tinham mais controle sobre o mercado, principalmente nos Estados Unidos. Prova disso é que o Danger Hiptop só foi um sucesso por conta do envolvimento da T-Mobile — o aparelho foi lançado como se fosse um produto da operadora.
Esta era a ideia: as operadoras solicitariam celulares a fabricantes e a Android Inc. forneceria o sistema operacional gratuitamente e com possibilidade de modificação. A receita da empresa viria da venda de serviços às operadoras que adotassem a plataforma.
Parece uma ideia genial, não? As operadoras pedem o hardware de um lado, o software do outro, e a combinação disso resulta em celulares exclusivos. Só que elas não gostaram da ideia: aceitar a proposta significaria ceder parte do domínio do mercado à Android Inc. Foi então que um tal de Larry Page ficou sabendo do projeto.
A situação estava tão complicada em 2004 que Andy Rubin teve que pedir dinheiro emprestado a um amigo para tocar a sua startup. A desconfiança com relação à proposta do Android afastava investidores. Larry Page, porém, já habituado a ideias disruptivas, não achava que aquilo era maluquice. No início de 2005, Andy Rubin se reunia pela primeira vez com ele e o outro cofundador do Google, Sergey Brin.
Quem olhasse de fora provavelmente pensaria que o encontro era uma enérgica entrevista de emprego. Bom, de certa forma, era mesmo, pois os criadores do Google não queriam apenas ficar com o Android: eles também queriam Rubin e equipe. A conversa começou com elogios ao Danger Hiptop por parte de Page seguidos de perguntas sobre decisões sobre o aparelho que Rubin tomaria sob determinadas circunstâncias.
Somente um mês e meio depois é que o quarteto soube, oficialmente, das reais intenções do Google. Ponderaram um pouco, mas não havia dinheiro em caixa, então eles aceitaram a oferta: a Android Inc. virou propriedade do Google em julho de 2005, por US$ 50 milhões.
O Google tinha grandes planos para o Android. Naquela época, a companhia já sabia que o mercado se voltaria fortemente ao segmento móvel. Sendo um sistema operacional aberto, baseado no Linux e centrado na internet, o Android poderia se espalhar rapidamente e levar os serviços do Google a um sem-número de pessoas no mundo todo.
Mas, antes disso, era necessário criar um aparelho capaz de mostrar o que o Android poderia fazer. Em parceria com a HTC, a equipe de desenvolvimento do Android trabalhou em um protótipo chamado Sooner que tinha uma pequena tela e um teclado QWERTY físico logo abaixo dela.
Talvez o Sonner viesse a ser lançado, afinal, BlackBerry e Nokia faziam sucesso com dispositivos dotados das mesmas características físicas. Mas ele foi criado originalmente para testes e demonstrações. Enquanto isso, havia um desafio a ser superado: achar uma operadora disposta a lançar o futuro primeiro Android comercial. Foram meses de negociação, até que Nick Sears (relembrando, um dos sócios de Rubin na Android Inc.) conseguiu convencer a T-Mobile a ser parceira graças aos contatos que estabeleceu quando trabalhou na operadora.
Tudo caminhava para um lançamento primoroso. De repente, uma reviravolta: era início de 2007 quando Steve Jobs roubou as atenções ao anunciar o iPhone. Para a equipe do Android, foi um choque. Em vez de teclado físico, o aparelho tinha uma tela ampla (para a época) sensível a toques. A consequência? O próprio Rubin tratou de mandar todo mundo voltar à prancheta para “ajustes”.
Alguns ex-funcionários dizem que recursos existentes no iPhone, como a tela sensível a toques, já eram previstos pelo Google. Mas o lançamento da Apple balançou o mercado de tal forma que não havia mais tempo a perder. O primeiro Android tinha que ser lançado oficialmente.
O primeiro fruto desse trabalho foi o HTC Dream, anunciado em 23 de setembro de 2008, junto com a primeira versão final do Android. O aparelho passou a ser comercializado pela T-Mobile no mês seguinte com o nome G1. Entre novembro de 2008 e o início de 2009, ele foi lançado na Europa. Trata-se, de fato, do primeiro smartphone com Android disponibilizado comercialmente.
As especificações eram interessantes para a época: tela de 3,2 polegadas com 480×320 pixels, processador Qualcomm MSM7201A de 528 MHz, 192 MB de RAM, 256 MB de espaço interno para dados, câmera traseira de 3,2 megapixels sem flash, bateria de 1.150 mAh, além de GPS, acelerômetro, Wi-Fi, Bluetooth e afins.
Mas o HTC Dream não se distanciava completamente dos BlackBerrys da vida: a tela deslizava para o lado, revelando um teclado físico QWERTY. O modelo não foi um grande sucesso de vendas, mas cumpriu o propósito de abrir as portas do mercado para o Android.
Por incrível que pareça, o iPhone também deu uma forcinha para o Android deslanchar. Não voluntariamente. Nos Estados Unidos, o smartphone da Apple foi lançado inicialmente como uma exclusividade da AT&T, forçando as demais operadoras a procurar alternativas. Adivinha o que atraiu a atenção delas?
O HTC Dream foi lançado pela T-Mobile, mas as outras operadoras não estavam desamparadas. Meses antes, em novembro de 2007, a Open Handset Alliance (OHA) foi formada por Google (óbvio), HTC, Motorola, Qualcomm e várias outras companhias para estabelecer padrões para a telefonia móvel.
A OHA foi importantíssima para promover o Android como uma plataforma aberta e adaptável. Até certo ponto, a iniciativa é que nivelou o caminho para o Android até a HTC e, posteriormente, às outras fabricantes.
O Android 1.0 era bem rudimentar, mas já trazia recursos que, hoje, são essenciais, como tela de bloqueio, função de copiar e colar, notificações, player de música, suporte a câmera e, claro, os apps do Google, entre eles, Maps, Talk (mensagens), YouTube e Android Market (precursor da Google Play Store).
Mas o mercado estava se transformando tão rapidamente que os desenvolvedores não tinham descanso. Uma nova versão do Android, a 1.1, foi lançada em fevereiro de 2009. Dois meses depois, o Android 1.5 foi apresentado.
A partir daí, o Google passou a batizar, oficialmente, as versões do sistema com nomes de doces ou sobremesas (fala-se que o Android 1.1 já era chamado internamente de Petit Four, porém). O Android 1.5 foi chamado de Cupcake. Entre os seus avanços estava um teclado virtual, olha só.
Mas o Android só foi considerado realmente maduro a partir da versão 2.0 (Eclair). Essa, aliás, foi a versão que rodou no primeiro grande sucesso comercial da plataforma, o Motorola Droid, lançado em outubro de 2009. Assim como o HTC Dream, o aparelho trazia teclado físico alfanumérico, mas tinha tela maior e outros recursos mais sofisticados.
Nos anos seguintes, o Android deslanchou. Vieram versões marcantes, como KitKat (4.4), Marshmallow (6.0) e Oreo (8.0, 8.1), até chegarmos à atual versão Pie (9.0). Essas e as demais versões fizeram o Android deter entre 80% e 90% do mercado de smartphones (a porcentagem varia conforme o instituto de pesquisa), com o restante ficando nas mãos da Apple.
A plataforma amadureceu de tal forma que ela já não depende do seu criador: Andy Rubin saiu do Google em 2014 e, hoje, se dedica principalmente ao Essential Phone (que não vem tendo muito sucesso, convém frisar).
Mas o domínio do Android não significa que o Google está em situação confortável, não totalmente. Para os próximos anos, a companhia tem o desafio de fazer a plataforma vingar em outras plataformas, como wearables e carros (com o Android Auto), e se livrar das amarras do Java, só para dar alguns exemplos.
Fala-se que a solução para esses desafios é o misterioso projeto Fuchsia, um sistema operacional que, de tão versátil, virá para substituir o Android e o Chrome OS em um tacada só.
Mas são especulações que, se tiverem um fundo de verdade, só terão validade em um futuro relativamente distante. Pudera: o Android está tão enraizado no mercado que substituí-lo — se existir mesmo essa intenção — talvez venha a ser o maior desafio da história do Google.
Com informações: The Verge, Android Authority, Business Insider, Complex, TechCrunch, Android Central.