Entendendo o efeito “vou baixar a discografia” e a necrofilia da arte
Este ano começou com alguns anúncios trágicos, como o falecimento do genial músico David Bowie e do ator Alan Rickman, que deu vida ao vilão Hans Gruber em Duro de Matar, ao deprimido e amável androide paranoide Marvin de O Guia do Mochileiro das Galáxias e Severus Snape em Harry Potter, num papel que representa, na minha modesta opinião, a maior redenção cinematográfica desde Darth Vader.
Assim como em ocasiões semelhantes no passado recente (a exemplo da morte de Michael Jackson), as pessoas passaram a consumir as obras desses artistas de forma ávida nas horas, dias e, em alguns casos, semanas que se seguiram.
Nas redes sociais pudemos ver posts de gente falando que iria baixar suas discografias, em tons mais sérios e pesarosos, mas muitos também em forma mais bem humorada.
Os serviços de streaming de música, claro, não perderam tempo:
Vi gente criticando a postura do Google, Spotify e Apple por fazerem isso. Eu sinceramente não vejo problema, já que as pessoas buscam as músicas. As empresas só estão facilitando a vida do usuário. Use a área de comentários pra dizer o que você acha sobre isso.
Mas voltando. Não se engane, isso não é um fenômeno recente. Desde a minha adolescência lembro que nomes de músicos que morreram passaram a ganhar muito mais destaque na mídia. Quando Kurt Cobain se matou, só se falava disso. Eu era um moleque que gostava muito das bandas do movimento grunge, como Alice in Chains, Stone Temple Pilots, Pearl Jam e, claro, Nirvana.
Foi complicado na época entender como pessoas que tiravam sarro de mim por gostar desse tipo de música, de uma hora para outra, eram verdadeiros fãs com suas camisas xadrez e calças surradas. A banda brasileira Pato Fu inclusive meio que tira sarro desse comportamento em sua música A Necrofilia Da Arte, do disco Televisão de Cachorro (1998).
Lennon, Bob Marley, Elvis. São vários os nomes de músicos que se foram e passaram a ganhar verdadeiras legiões de fãs. Não que suas obras não mereçam isso. Claro que merecem! Mas… por que ~baixar as discografias~ só depois de sua morte?
Isso pode ser explicado de algumas formas diferentes: a primeira, porque talvez algumas dessas pessoas de fato nunca tenham parado para prestar atenção na música/filme/whatever de quem acabou de falecer. E como o nome está ali em destaque, fica mais fácil de lembrar.
Outro fator a ser levado em consideração é que nós, seres humanos, temos o péssimo hábito de só dar valor a coisas que não temos ou depois que as perdemos. Isso vale para música, ídolos, bens materiais e relacionamentos.
Mesmo para quem acompanha determinado artista ocasionalmente: a vida é tão corrida que temos pouco tempo para seguir com afinco sua carreira. Principalmente se você é um adulto responsável — tem bastante gente com muito tempo livre por aí. Infelizmente ou felizmente, esse não é meu caso.
Isso piora bastante quando a internet permite o acesso instantâneo a bilhares de músicas diferentes com poucos cliques, o que divide o escasso tempo livre entre opções cada vez mais diversas.
Portanto, não fique irritado se alguém passar a agir dessa forma em relação a algum artista que você já seguia. Seja gente boa, apresente ainda mais detalhes, obras que são menos conhecidas, músicas lado B e ajude a divulgar o trabalho de seus ídolos.
Com mais gente procurando, com mais interesse por parte do público, maior é a possibilidade de algo novo surgir. No final, você só tende a ganhar.