Uma casa inteligente ainda é complicada demais para um usuário comum

Integração falha, portfólio enxuto e um consumidor menos interessado são alguns dos motivos que fizeram a casa inteligente ser tão complexa

Darlan Helder
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• Atualizado há 11 meses
Uma casa inteligente ainda é complicada demais para um usuário comum (Imagem: Vitor Pádua/ Tecnoblog)
Uma casa inteligente ainda é complicada demais para um usuário comum (Imagem: Vitor Pádua/ Tecnoblog)

A casa inteligente deu errado? Mesmo com a popularização nos últimos anos e com o alto volume de dispositivos relativamente acessíveis — tais como lâmpadas, smart speakers, fechaduras, câmeras e robôs aspiradores —, a inovação parece não ter ganhado força e segue engatinhando no Brasil. 

Com a expansão das tecnologias Bluetooth, Wi-Fi e inteligência artificial, muitos aparelhos ganharam sistemas inteligentes e integrados. Melhor: vários deles passaram a se comunicar com outros eletrônicos, até mesmo de outros fabricantes. Estamos falando de lâmpadas, televisores, ares-condicionados, aspiradores, cafeteiras e até geladeiras.

No Brasil, assim como muitos consumidores, o primeiro gadget desse universo que instigou a minha curiosidade foi a lâmpada inteligente. Acessível e popular, a iluminação é a porta de entrada para muitas pessoas que desejam se aventurar pela automação residencial. A experiência começa a ficar mais interessante quando você a conecta a um smart speaker, para realizar comandos por voz.

Echo Show 15 (imagem: divulgação/Amazon)
Echo Show 15 (imagem: divulgação/Amazon)

Um estudo do Statista revela que há 320 milhões de alto-falantes inteligentes em operação no mundo e esse número deve avançar para 640 milhões até 2024. Um dos principais benefícios do equipamento é ser um hub, concentrando todos os dispositivos smart da sua casa. De fato, os assistentes virtuais têm papel fundamental para consolidar a automação residencial.

Então, por que a casa conectada avança lentamente?

Amazon Echo (Alexa) e Google Nest Audio (Google Assistente (Imagem: Darlan Helder/Tecnoblog)
Amazon Echo (Alexa) e Google Nest Audio (Google Assistente (Imagem: Darlan Helder/Tecnoblog)

Até pouco tempo atrás, a culpa pesava no custo elevado. No entanto, o conceito de smart home já pode ser considerado democrático, e especialistas com quem conversei confirmam isso. 

A Amazon é um bom exemplo. A gigante norte-americana conseguiu popularizar a Alexa com opções de Echos acessíveis. Mas não podemos esquecer das empresas nacionais — Positivo, Intelbras e Elsys, para citar algumas —, que entraram nesse mercado com aparelhos realmente baratos.

“Há dez anos, o consumidor precisava desembolsar rios de dinheiro só para começar a ‘brincar’ de casa inteligente e a instalação era muito complexa. Você tinha que passar uma infinidade de cabos e não havia nenhum protocolo de comunicação, como o Zigbee. Agora, sendo bem realista, está muito acessível. O problema da exploração tem muito a ver com a falta de conhecimento das pessoas e a experiência de uso, que os fabricantes ignoram”.

Arthur Igreja, especialista em tecnologia e inovação.

Casa inteligente (Imagem: Freepik)
Casa inteligente (Imagem: Freepik)

No mundo ideal, quando falamos de casa conectada, todos os nossos produtos inteligentes deveriam ficar integrados. Com acesso à internet, eu posso realizar comandos simples ou programações para eles operarem sozinhos. Sim, isso já é possível. O problema é que cada empresa tem o seu próprio sistema, e estimular a interação com outros equipamentos não é tão fácil.

São protocolos diferentes, uma integração ainda falha ou até inexistente. Observe o setor de iluminação. Muitas dessas lâmpadas disponíveis no mercado já interagem com os principais smart speakers (Google Nest, Amazon Echo e Apple HomePod). Mas, caso decida comprar iluminação de diferentes marcas, você terá que instalar vários aplicativos no seu celular para configurá-las. Eu mesmo tenho três diferentes no meu aparelho.

Cafeteira Nespresso Vertuo Next com Bluetooth e Wi-Fi (Imagem: Darlan Helder/Tecnoblog)
Cafeteira Nespresso Vertuo Next com Bluetooth e Wi-Fi (Imagem: Darlan Helder/Tecnoblog)

Uma vez eu testei as barras de LED inteligentes Hue Play aqui no Tecnoblog. Além de personalizar ambientes da sua residência, elas podem interagir com o conteúdo reproduzido na TV. No entanto, você precisa desembolsar cerca de R$ 500 a mais para adquirir um aparelho extra, a Hue Bridge, para conectar as barras. Além da Bridge, eu preciso usar o aplicativo para configurá-las. Toda essa complexidade me cansa.

Para citar outros casos, nós já tivemos a experiência de usar um porteiro “inteligente” Wi-Fi que não oferece integração com nenhum assistente pessoal. E o que falar da cafeteira conectada que, mesmo com Wi-Fi e Bluetooth, não se conecta a lugar nenhum? Esses são só alguns exemplos de como a casa inteligente ainda é complicada demais para um usuário médio.

O atual problema da casa inteligente

Lâmpadas inteligentes Philips Hue e Smart Lâmpada Wi-Fi Positivo Casa Inteligente (Imagem: Darlan Helder/Tecnoblog)
Lâmpadas inteligentes Philips Hue e Smart Lâmpada Wi-Fi Positivo Casa Inteligente (Imagem: Darlan Helder/Tecnoblog)

Entrar em apenas um ecossistema pode ser a saída para uma experiência sólida. Quando olhamos o mercado, porém, poucas empresas estão levando isso a sério. Entre as nacionais, nenhuma delas fornece uma verdadeira integração que funcione, e a terceirização de tecnologia é a principal responsável por isso. Companhias como Positivo e Elsys usam soluções de gigantes chinesas, como a Tuya, que domina o Brasil através das smart lâmpadas.

Outras empresas que têm as suas próprias tecnologias fazem a lição de casa. É o caso da Amazon. Os Echos são facilmente integrados entre eles, a Alexa é uma boa assistente e está presente em mais de 650 produtos, me contou Talita Bruzzi Taliberti, Country Manager da Alexa no Brasil, durante o lançamento do Echo Show 15.

Não me espantaria se algum dia a Amazon lançasse lâmpadas, sensores, robôs aspiradores e eles funcionassem bem no universo Alexa.

Amazon Echo (4ª geração) (Imagem: Darlan Helder/Tecnoblog)
Amazon Echo (4ª geração) (Imagem: Darlan Helder/Tecnoblog)

O ecossistema não deve ser atrelado apenas a software. Portfólio de produtos também é importante. “Muitos fabricantes estão pensando em dispositivo por dispositivo na esperança de que o usuário consiga montar esse Frankenstein. A Amazon sacou o seguinte: ou eu crio facilidade de uso, como a Apple, para a pessoa expandir esse ecossistema da casa dela ou eu não vou prosperar”, analisa Igreja.

George Wootton, diretor técnico do Instituto da Automação (ex-Aureside), conta ao Tecnoblog que a variedade de produtos ainda é um gargalo no mercado nacional. O que acontece é que muitas empresas se concentram em trazer sempre os mesmos dispositivos para o Brasil. Mas o consumidor também tem uma parcela de culpa. 

Videoporteiro Intelbras Allo W5 (Imagem: Darlan Helder/Tecnoblog)
Videoporteiro Intelbras Allo W5 (Imagem: Darlan Helder/Tecnoblog)

“Todas as marcas trazem a mesma coisa. E não melhores. Por outro lado, também falta um usuário mais interessado em benefícios do que em novidades”, me conta Wootton. “Por mais que a pessoa encontre uma série de informações online sobre esses produtos, ela ainda fica em dúvida se aquilo é útil mesmo”, completa Arthur Igreja.

Nos Estados Unidos, região potente em smart home, a automação residencial também enfrenta dificuldades, apesar da boa variedade de gadgets. Segundo Wootton, uma casa inteligente americana é rodeada de sistemas, de iluminação, segurança, ambientação, por exemplo. Contudo, o americano médio não consegue tirar um bom proveito de toda a tecnologia. A frustração vem de programações e interações ainda falhas.

Zigbee e Z-Wave falharam. Será que o Matter consegue salvar a casa inteligente?

Matter promete resolver o problema da casa conectada (Imagem: Divulgação/Matter)
Matter promete resolver o problema da casa conectada (Imagem: Divulgação/Matter)

Mas existe uma luz no fim do túnel. E ela se chama Matter. Antes de adentrarmos nessa tecnologia, vale voltar algumas casas atrás para falar do Zigbee, uma solução tecnológica que todos esperávamos que resolveria o problema da casa conectada. Gigantes do setor, Apple, Google, Amazon, dentre outras, se juntaram à Zigbee Alliance para fomentar uma rede única que conecta todos os seus dispositivos de casa inteligente.

Entre as promessas estavam a criação de uma malha permitindo a conexão de vários aparelhos, que iriam se comunicar entre si (essencial para o conceito), além de baixa latência e eficiência energética. Apesar de já estar em operação, inclusive nos smart speakers da Amazon, o protocolo não conseguiu alcançar a massa. Z-Wave, Wi-Fi e Bluetooth também falharam na missão.

Lâmpada Philips Hue GU10 com Bluetooth e Zigbee chega ao Brasil (Imagem: Divulgação/Signify)
Lâmpada Philips Hue GU10 com Bluetooth e Zigbee chega ao Brasil (Imagem: Divulgação/Signify)

Desta vez, a indústria está apostando todas as fichas no Matter. A solução surgiu em 2019 através da CSA – Connectivity Standards Alliance, ex-Zigbee Alliance. O nome da organização foi alterado para que ficasse mais claro os seus objetivos de IoT. Vamos ser sinceros, poucas pessoas conhecem o tal Zigbee, não é?

A CSA é um grupo formado por mais de 200 empresas, incluindo Amazon, Google, Apple, Samsung, Signify (Philips Hue), Xiaomi e LG.

Todas elas trabalham em torno do novo padrão com o objetivo de corrigir o problema da casa conectada e encontrar soluções para que seus produtos conversem com outros do mercado sem nenhuma barreira. Para facilitar a implementação, o Matter atuará ao lado de tecnologias já existentes, como Bluetooth e Wi-Fi.

Xiaomi Mi Smart Speaker (Imagem: Divulgação/DL Eletrônicos)
Xiaomi Mi Smart Speaker (Imagem: Divulgação/DL Eletrônicos)

“O Matter é um bom conceito. Essa ‘liberdade’ causa uma mudança interessante no mercado, porque agora os produtos não precisam ficar atrelados a ninguém. No entanto, o Matter ainda está bagunçado. Não é um protocolo, mas também não define quais as camadas que ele vai operar. Ou seja, ele quer ser perfeito, mas ainda não sabe como”.

George Wootton, diretor técnico do Instituto da Automação

Logo do Matter (Imagem: Divulgação/Matter)
Logo do Matter (Imagem: Divulgação/Matter)

O Matter é o caminho para os itens se comunicarem. A tecnologia ainda é nova e a implementação está atrasada. Os primeiros produtos compatíveis deveriam chegar ao mercado no início de 2022. A promessa agora é que o lançamento ocorra no final deste ano.

Em março, Michelle Mindala-Freeman, integrante da CSA, e que também supervisiona o Matter, disse ao The Verge que o adiamento foi necessário para a conclusão do SDK (kit de desenvolvimento de software). Com mais empresas envolvidas na solução de IoT, a CSA resolveu pisar no freio para aprimorar e garantir que o Matter funcione adequadamente nos produtos compatíveis. 

Eu ainda tenho receios com esse novo padrão, afinal abrir ecossistema não é uma tendência entre as empresas de tecnologia atualmente. Veja como a Apple consegue prender seus clientes com essa estratégia. A Amazon e a Samsung estão indo pelo mesmo caminho. Será que o Matter realmente será a solução para a casa inteligente? Isso só o tempo dirá.

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Darlan Helder

Ex-autor

Darlan Helder é jornalista e escreve sobre tecnologia desde 2019. Já analisou mais de 200 produtos, de smartphones e TVs a fones de ouvido e lâmpadas inteligentes. Também cobriu eventos de gigantes do setor, como Apple, Samsung, Motorola, LG, Xiaomi, Google, MediaTek, dentre outras. No Tecnoblog, foi autor entre 2020 e 2022. Ganhou menção honrosa no 15º Prêmio SAE de Jornalismo 2021 com a reportagem "Onde estão os carros autônomos que nos prometeram?", publicada no Tecnoblog. 

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