Como funcionam os sistemas de recomendação?
Entenda como redes sociais e serviços de streaming usam mecanismos de recomendação para “ler a sua mente” e indicar conteúdo relevante
Entenda como redes sociais e serviços de streaming usam mecanismos de recomendação para “ler a sua mente” e indicar conteúdo relevante
Você pode até não saber como funcionam os sistemas de recomendação, mas certamente já foi exposto a vários deles. Sabe quando um anúncio personalizado é tão específico que você desconfia de que sua rotina esteja sendo vigiada? Ou quando a ordem aleatória de músicas no Spotify parece feita exatamente para ser a trilha sonora da sua vida em um determinado momento? Pois é — parafraseando um dos bordões mais clássicos da TV brasileira: não é feitiçaria, é tecnologia!
Mas como tudo isso é possível? As empresas estão realmente espionando as suas ações? Bem, espionagem não é bem a palavra certa. Mas há, sim, um monitoramento — e todo um mercado construído em cima disso. A seguir, entenda como funcionam os principais mecanismos de recomendação e por que eles são tão importantes.
Basicamente, existem três tipos de mecanismos utilizados para oferecer conteúdo online: filtragem colaborativa, filtragem baseada em conteúdo e o sistema híbrido, que une as duas anteriores. Vamos às particularidades de cada um deles:
Nesse tipo de mecanismo, os algoritmos usam aprendizado de máquina para prever seus gostos com base em usuários que têm comportamento similar ao seu.
Por exemplo: se Felipe ouve com frequência as bandas Slipknot, Linkin Park e Bring Me The Horizon em um serviço de streaming que usa a filtragem colaborativa, e Ana, que também é usuária da plataforma, escuta Slipknot, Linkin Park e Korn, o serviço pode recomendar Bring Me The Horizon para Ana.
Em sistemas mais complexos, como o de recomendações de filmes e livros, mais pontos além de uma interação genérica devem ser levados em consideração — aqui podem entrar a avaliação que o usuário dá para o conteúdo ou tempo médio de consumo, entre outros.
Na filtragem por conteúdo, o sistema se baseia em atribuições de um conteúdo, sem depender necessariamente de uma interação de outro usuário. Nesse caso, as indicações são baseadas em atributos dos itens recomendados, e o mecanismo cria uma espécie de perfil genérico de usuário que deve se interessar por temas semelhantes.
Por exemplo: Em um nível mais superficial, se Cláudia segue páginas relacionadas à Grey’s Anatomy em uma rede social, a plataforma pode recomendar grupos com aquele mesmo tema para que a pessoa participe. Ou, indo mais além, ao assistir Grey’s Anatomy em um serviço de streaming, a plataforma pode recomendar The Good Doctor ou House, que também são séries médicas.
Como o nome já entrega, a filtragem híbrida se vale tanto de algoritmos baseados na interação usuário-usuário quanto nos que avaliam apenas o conteúdo, com o objetivo de formar um sistema de recomendação mais robusto.
Aqui, há o benefício de poder ir “além da caixinha”, indicando uma diversidade maior de produtos, mas mantendo as recomendações relevantes e precisas.
Esse é o caso da Netflix, que usa os dados obtidos de sua enorme base de usuários para montar uma amostra com algoritmos de filtragem colaborativa, mas também se vale dos “rótulos” atribuídos aos conteúdos em seu catálogo para tornar o sistema ainda mais atrativo.
O Tecnoblog contou mais detalhes sobre as recomendações da Netflix neste artigo especial.
A essa altura, você já deve saber — a internet não é terra de ninguém, e praticamente tudo o que você faz nela está documentado de algum modo. Isso quer dizer que você deixa rastros quando ouve um novo single no seu serviço de streaming favorito, quando entra em uma loja para dar uma olhadinha naquele tênis para a academia, ou quando assiste a três vídeos seguidos de um mesmo criador de conteúdo em uma rede social.
Pode parecer besteira, mas esses dados de navegação e interação valem muito. Eles são basicamente a moeda que faz os sistemas de recomendação funcionarem. Essas informações alimentam a engrenagem que aprende mais sobre você e, com auxílio de inteligência artificial, é capaz de prever o que provavelmente você vai querer em seguida.
As empresas precisam desses dados por causa de um conceito chamado “economia da atenção”. Ele está intimamente ligado à evolução da tecnologia e à sensação de que o tempo está passando mais rápido a cada dia. Em um mundo conectado, setores que antes pareciam ser isolados acabam competindo por um pedacinho do dia de um indivíduo.
Em termos práticos, você pode pensar que apesar de serem de ramos diferentes, a Netflix compete com o Duolingo, porque enquanto você está maratonando Round 6, as lições de espanhol estão acumulando na plataforma de idiomas instalada no seu smartphone. E, nesse cenário, quanto mais eficaz for o sistema de recomendação da Netflix, menos chances tem qualquer outro aplicativo de cativar sua atenção.
“Se o dinheiro pudesse chamar a atenção de maneira confiável, tudo o que eu teria que fazer é pagar a você a quantia necessária, e você continuaria ouvindo atentamente durante tudo isso, sem adormecer ou deixar sua mente vaguear. Na verdade, mesmo se você tivesse recebido uma quantia enorme, isso seria muito difícil. Alguém que quer sua atenção simplesmente não pode depender de pagar dinheiro para obtê-la, mas tem que fazer mais, tem que ser interessante.”
Goldhaber, M. H. (1997). The attention economy and the Net. First Monday, 2 (4).
É impossível, atualmente, falar sobre algoritmo de recomendação e não lembrar do TikTok. A rede social fenômeno da empresa chinesa ByteDance é basicamente uma plataforma feita para viciar — e o resultado foi capaz de colocar medo até no império de aplicativos do Facebook.
Assim como outras big techs, o TikTok usa inteligência artificial para sugerir seu conteúdo a outros usuários. Sua particularidade é que a recomendação está sempre mostrando algo novo em uma velocidade absurda (na aba For You) — mas sem perder a relevância.
Para isso, o TikTok usa dados referentes às suas interações, hashtags, áudios, localização e legenda de cada vídeo.
O algortimo de recomendação do TikTok deu tão certo que virou um produto, e agora pode ser comercializado para outras empresas por meio de uma unidade de negócios chamada BytePlus.
Como citei no início desse artigo, os sistemas de recomendação podem despertar aquela sensação de estar sendo vigiado. Em parte, esse achismo tem fundamento. A questão da privacidade é uma das principais preocupações inerentes ao tema — e causa dores de cabeça para usuários e empresas.
Não à toa, a Apple causou polêmica ao implementar um recurso para limitar o rastreamento feito por aplicativos em seus dispositivos. O App Tracking Transparency (ATT) foi duramente criticado pelo Facebook e outras empresas que têm negócios baseados em publicidade.
A nova política exige que o app peça permissão ao usuário para coletar dados de navegação. Sem a autorização, a propaganda ainda pode ser exibida, porém, de acordo com o Facebook, ela se torna menos relevante. Isso acontece porque a empresa não poderá alimentar seus sistemas de recomendação para exibir anúncios com base nos interesses dos usuários.
Por outro lado, a falta de personalização em anúncios é um preço considerado baixo por muita gente que teme outro escândalo de compartilhamento indevido de informações, como o Cambridge Analytica.
Nesse cenário, e considerando um futuro no tão comentado (e controverso) metaverso, a credibilidade da empresa irá fazer toda a diferença na hora de decidir se vale ou não permitir o monitoramento e abastecimento dos sistemas de recomendação. Além disso, vale mencionar, é imprescindível que haja a evolução da regulamentação para garantir o uso correto dos nossos dados.