No futuro, fazendas digitais terão computadores que cultivarão sua comida
Um laboratório de cultivo de comida possui vários brócolis, e cada um tem um endereço IP
Nós vivemos uma crise de alimentos. Desde a completa falta de recursos de países em desenvolvimento até a completa falta de nutrientes em países desenvolvidos.
Muitos argumentam sobre produtos geneticamente modificados, outros protestam veementemente contra isso. Mas fato é que uma maçã vendida em um supermercado norte-americano, quando chega à casa do consumidor, tem 11 meses de idade. E, devido aos seus conservantes tóxicos, sem 90% de seus antioxidantes, por exemplo. É uma bola de açúcar, basicamente.
Antes que esse texto fique parecendo um post de site ambientalista, vamos trazer tecnologia à equação. Conheçam o conceito de OpenAG (ou Agricultura Livre) e o Diretor do MIT Caleb Harper. Ele e seus colegas Daniel Goodman, Camille Richman e Jake Rye criaram um computador capaz de cultivar comida.
E não é um laboratório super complexo e com custos estratosféricos. Na verdade, esse projeto é open source, tudo foi pensado para ser o mais barato possível, com vídeos dos materiais utilizados, tutoriais de como montar (dos mais simples aos mais complexos) e software de código livre. Você pode fazer um computador de alimentos mesmo com equipamentos antigos.
Comida, tecnologia e clima
Vamos por partes. O principal problema aqui é que somos escravos do clima. Cada lugar do mundo tem um clima diferente e, portanto, só é capaz de cultivar comidas específicas. Vemos abaixo o mapa de como os alimentos transitam pelo nosso planeta:
E se cada país pudesse controlar isso? O que mudaria em relação à disponibilidade da comida? Seu preço? Sua qualidade? Sua nutrição? Quem trabalharia nisso? Foram essas perguntas que a equipe do MIT fez.
A primeira coisa que eles descobriam é que, entre as novas gerações de profissionais, quase ninguém quer ser fazendeiro. Cultivar alimentos é difícil. É custoso, dá muito trabalho. Os mais jovens, seja nos Brasil, Estados Unidos, seja em países da África, querem ir para os grandes pólos, as grandes cidades.
O que levou a equipe a outra pergunta: e se fazendas fossem digitais?
E foi assim que eles montaram o laboratório. Num cantinho que ninguém estava usando, eles começaram a fazer suas experimentações com todo tipo de alimento. Frutas, verduras, legumes. Matando quase todas elas, é verdade, até que o processo se estabilizou, se aperfeiçoou. O resultado? Alimentos com cores vívidas, raízes fortes, produtos saudáveis.
O segredo para isso foi descobrir como programar o clima. Quando você pode codificar o ambiente, tem em suas mãos a possibilidade de definir a cor daquela planta, sua forma, seu gosto, até mesmo sua textura.
Eles colocaram centenas de sensores nas frutas e verduras, medindo constantemente seu nível de PH, temperatura, nitrogênio, cálcio e umidade, por exemplo.
Para termos uma ideia do nível de controle da parada, o laboratório possui vários brócolis, e cada um deles tem um endereço IP. Sim, um endereço digital, associado a uma planta! Você clica no brócolis que quer analisar e consegue o profile da planta! Um relatório com todos os nutrientes, se ela recebe luz e umidade o suficiente.
Segundo Harper, elas falam com você e conversam entre si. Cada uma das mudas tem foto, perfil, data de “nascimento”, status, posts diários.
É praticamente um Facebook de plantas!
Um vislumbre do que pode vir a ser o futuro da agricultura
Cada passo correto deste projeto era seguido de novas etapas para que ele pudesse ser melhor, mais barato e mais acessível. Por isso, os cientistas criaram um simulador, quase que como um game, para que qualquer pessoa, de qualquer idade, aprendesse a usar o computador de alimentos.
Em um experimento controlado, algumas crianças foram chamadas para jogar. Elas poderiam plantar qualquer coisa, testar receitas, mudar os fatores climáticos, verificar qual era a reação das plantas dentro daquele cenário que elas criaram.
Em caso de sucesso, eles podem fazer o download das regras utilizadas para gerar aquela planta, daquela forma. Uma receita com dados como as sementes foram usadas, a umidade e temperatura do ar. Com isso, outras pessoas poderiam replicar o experimento em qualquer lugar do mundo.
E assim, foi a primeira vez que muitas dessas crianças perceberam que elas poderiam se tornar fazendeiros. Fazendeiros digitais!
Como essas pessoas da imagem abaixo. Engenheiros, eletricistas, cientistas, ambientalistas… Fazendeiros. Trabalhando em computadores que geram comida. Em servidores que geram comida. Data Centers de alimentos.
Escalabilidade, distribuição, luta contra o Ebola e a Fome
Nossa, como assim? Pois é. Uma vez que esses laboratórios e esses computadores podem ser facilmente escaláveis, o tamanho disponível para a instalação do laboratório é quem decide quão grande será a fazenda digital.
E, uma vez que o cultivo pode acontecer dentro de centros de ciência, descobriu-se que dava para criar laboratórios paralelos, para produzir vacinas contra o Ebola. Vacina essa, cujas proteínas são produzidas pelas plantas! Genial, né?
O fator principal aqui é que estas fazendas digitais têm o potencial de permitir que, em vez da gente enviar comida, com toneladas de conservantes, passemos a enviar informações sobre a comida. E, caso alguém pense que isso é um sonho distante, saiba que isso já existe em todos esses lugares:
Imagine o sertão brasileiro, lugares afastados, onde mesmo com o mínimo de água e eletricidade, o clima regional impede o cultivo de uma lista imensa de alimentos, o que priva aquelas comunidades de terem acesso a uma alimentação rica em nutrientes. O aprimoramento destas fazendas digitais pode ser a resposta para este problema.
Assista à palestra feita por Caleb Harper no TED, em Genebra, na Suíça:
Conforme esses laboratórios forem se popularizando, a qualidade da comida no mundo todo teria uma tendência a melhorar, já que cada centro, numa rede com 1 bilhão de fazendas digitais, estaria experimentando mais e mais. É apenas uma questão estatística.
Mas, sendo realista, precisamos ponderar que isso também é uma questão de tempo e, principalmente, um fator de resistência comercial e política.