O futuro complicado da Huawei na lista negra dos EUA
Huawei não pode fazer negócios com empresas americanas, o que afeta o mercado de celulares, 5G e o mundo inteiro
Huawei não pode fazer negócios com empresas americanas, o que afeta o mercado de celulares, 5G e o mundo inteiro
Os acontecimentos da última semana impactaram a segunda maior fabricante de celulares e a maior fornecedora de infraestrutura de telecom do mundo. A Huawei entrou em uma lista negra de organizações que ameaçam a segurança dos Estados Unidos e, neste domingo (19), soubemos que o Google suspendeu os negócios com a empresa chinesa.
A decisão pode afetar principalmente a evolução do 5G, já que um dos maiores mercados não adotará equipamentos da Huawei, empurrando a demanda sobre a Ericsson e a Nokia; e também o mercado de smartphones, levando em conta que o acesso da Huawei ao Android, Google Play, YouTube e outros produtos do Google será bem mais complicado.
O que muda com a briga da Huawei com os Estados Unidos e o que ainda precisa ser esclarecido? A gente explica tudo.
Os Estados Unidos estão em uma guerra comercial contra um país, não apenas contra a Huawei. O presidente Donald Trump já considerava a China uma “inimiga” desde 2011, bem antes de se candidatar a presidente. O capítulo mais recente da disputa aconteceu no dia 10 de maio, quando os Estados Unidos elevaram as tarifas sobre US$ 200 bilhões em produtos importados chineses.
Os argumentos contra a China são vários: a mão de obra barata estaria roubando empregos dos americanos; a balança comercial desfavoreceria os Estados Unidos (que importam da China mais do que exportam); e a China prejudicaria os americanos com exportações baratas, inclusive com a prática de desvalorizar sua moeda, o yuan, para derrubar os preços das exportações.
A Huawei e outras empresas de tecnologia, como a ZTE, são parte da guerra. Elas já estavam banidas de órgãos do governo americano: as agências federais deverão substituir os equipamentos chineses até 2020. Isso afetou diretamente o consumidor final: as operadoras dos Estados Unidos cancelaram o lançamento de celulares da Huawei, e varejistas como a Best Buy interromperam as vendas dos aparelhos.
É claro que muitas empresas chinesas vendem produtos nos Estados Unidos, mas a Huawei tem sofrido mais com as acusações do governo americano: a empresa foi fundada por Ren Zhengfei, ex-engenheiro do Exército de Libertação Popular da China; ela teria recebido ajuda do governo chinês para sua expansão internacional; e redes montadas com equipamentos da empresa tinham “relatos de incidentes estranhos ou alarmantes”.
A diretora financeira Meng Wanzhou, que é filha do fundador da Huawei, foi presa no Canadá em dezembro de 2018 a pedido dos Estados Unidos. Wanzhou supostamente participou de uma conspiração para fraudar instituições financeiras e fazer negócios com o Irã, violando as sanções americanas — para se ter uma ideia do embargo, a Nike, por exemplo, não pode nem fornecer chuteiras para a seleção iraniana de futebol. A executiva foi solta em liberdade condicional após pagar fiança de US$ 7,5 milhões.
A operadora britânica Vodafone, a maior da Europa, admitiu em abril de 2019 que encontrou backdoors em roteadores domésticos e equipamentos de infraestrutura de rede fornecidos pela Huawei. Após a repercussão, a Vodafone esclareceu que as brechas teriam sido corrigidas em 2012 e que não houve registros de acesso não autorizado a seus sistemas.
Na semana passada, o presidente Trump assinou uma ordem de emergência nacional que proíbe empresas americanas de negociarem com companhias que podem trazer riscos à segurança do país. Na prática, isso significa que nomes como Google, Intel e Qualcomm não podem fornecer componentes para a Huawei, a não ser sob autorização do governo (o que dificilmente acontecerá, dadas as circunstâncias).
Em resposta aos banimentos, a Huawei processou o governo Trump. Para o chairman Guo Ping, “o Congresso dos Estados Unidos nunca conseguiu apresentar nenhuma prova que justifique as suas restrições aos produtos da Huawei”. Segundo o executivo, “essa proibição não só é ilegal como impede a Huawei de competir em condições de igualdade, o que também acaba prejudicando os consumidores americanos”.
O CEO e fundador Ren Zhengfei não costuma dar muitas entrevistas, mas abriu uma exceção em fevereiro de 2019. Ele defende que a prisão de Wanzhou é um “ato com motivação política” e que os Estados Unidos “não têm como destruir” a companhia. O executivo prometeu migrar os investimentos da Huawei “em uma escala ainda maior” para o Reino Unido, que decidiu não seguir as sanções americanas.
Zhengfei negou todas as acusações do governo americano e também soltou uma frase que pode ser guardada para o futuro: “Nossa empresa nunca vai participar de qualquer atividade de espionagem. Se tivermos esse tipo de atividade, então eu fecharei a empresa”.
Temos o seguinte cenário neste momento: a Huawei é a maior fornecedora de infraestrutura de operadoras do mundo; as operadoras estão expandindo o 4G a todo vapor e preparando suas instalações para o 5G; e os Estados Unidos ameaçam restringir o compartilhamento de informações de inteligência caso os países aliados adotem equipamentos da Huawei.
Não é difícil concluir que a implantação do 5G no mundo ficará ameaçada caso as sanções americanas surtam efeito — Austrália e Nova Zelândia já seguiram as restrições dos Estados Unidos, inclusive. Primeiro porque haveria menos concorrência, o que jogaria uma parte significativa da demanda de infraestrutura de redes para a Ericsson e a Nokia, consequentemente elevando os custos em um mercado que deve atingir US$ 277 bilhões em 2025.
Segundo porque há dúvidas se Ericsson e Nokia realmente conseguem atender à demanda. É óbvio que as três gigantes estão investindo fortemente em 5G, mas a dupla europeia não teria atingido a mesma maturidade tecnológica dos chineses. Especialmente a Ericsson, que passou por uma situação financeira complicada, com prejuízo operacional e demissões em massa.
Para o consumidor final, o impacto deve ser sentido nos celulares, mercado em que a Huawei é vice-líder, mesmo sem vender nos Estados Unidos. A Huawei até consegue sobreviver sem o Google na China, onde os serviços do buscador já são bloqueados. Mas, no ocidente, é difícil imaginar o surgimento de uma alternativa viável à Google Play Store no curto prazo.
O mercado de PCs também é afetado, ainda que em escala menor, já que a Huawei não tem participação significativa no setor. Não tem como montar um computador sem um sistema operacional e sem um processador. O Windows é da Microsoft, e os chips ou são da Intel ou da AMD. Todas são empresas americanas, agora proibidas de fornecer componentes para a Huawei.
Se apenas os Estados Unidos banirem os equipamentos de infraestrutura de rede da Huawei, o problema não deve ser tão grande, mas há aliados envolvidos. O Reino Unido decidiu permitir que a Huawei operasse no país, dizendo que os riscos são controlados, mas a Austrália e a Nova Zelândia não. E os países europeus estão sob pressão dos americanos para impedirem o crescimento da Huawei.
Pensando em celulares, a Huawei não se cansa de dizer que tem um plano B: ela está desenvolvendo seu próprio sistema operacional para adotá-lo caso não possa mais trabalhar com o Google. A verdade é que, como o Android tem código aberto, o sistema operacional é o que menos importa aqui — o ponto mais crítico é o ecossistema do Google, incluindo os mais de 2 bilhões de apps da Play Store.
Como a Huawei resolveria o problema da falta de uma loja de aplicativos móveis para o ocidente? Se a Microsoft, com US$ 1 trilhão de valor de mercado e dona do sistema operacional com 87% de participação nos PCs, fracassou depois de anos tentando, é complicado pensar que a Huawei conseguiria esse feito — ainda mais sendo atacada de todos os lados.
No plano político, é fácil pensar que a China poderia simplesmente retaliar os Estados Unidos, impedindo negociações com empresas americanas, que produzem a maior parte de seus produtos em fábricas chinesas. No entanto, isso também poderia criar desempregos na China e uma recessão a nível mundial, não local, considerando o tamanho e a influência dos dois países.
O momento atual da história deixa mais dúvidas do que esclarecimentos — e o futuro envolve mais do que um único país ou empresa.