Privatização do Serpro traz riscos a dados de brasileiros, diz pesquisador
Professor diz que privatização da Serpro viola LGPD e que papel da ANPD para dialogar com interessados não está sendo cumprido por falta de estrutura
Professor diz que privatização da Serpro viola LGPD e que papel da ANPD para dialogar com interessados não está sendo cumprido por falta de estrutura
Dentre os principais pontos da atual agenda do Ministério da Economia, no qual à frente está o ministro Paulo Guedes, é de desestatização. Uma delas é o Serpro — Serviço Federal de Processamento de Dados —, que entrou no PND (Programa Nacional de Desestatização) após decreto do Presidente da República em janeiro de 2020. Mas um estudo feito por um pesquisador da USP (Universidade de São Paulo) afirma que a privatização do maior operador federal de dados deve conferir ao dono poder competitivo sem precedentes, além de esbarrar em normas da LGPD.
A venda do Serpro poderia dar a seu controlador poder de excessivo de competição no mercado e diversas vantagens indevidas se, por acaso, a base de dados da empresa não for apagada. Esta é a avaliação do professor de Direito Econômico e pesquisador da USP, Diogo Coutinho.
Em seu estudo sobre o caso de privatização da operadora de dados federal, Coutinho avalia que os regimentos jurídicos do Serpro devem ser reformulados para evitar que a venda prejudique as políticas públicas da estatal.
As novas leis que regulamentam o Serpro devem impedir a comercialização de dados de uma base de milhões de brasileiros. Com a privatização da empresa, caso ela seja de fato concluída, como pretende o governo, é necessário firmar compromissos legais para quem se tornar dono total ou parcial da estatal, diz Coutinho.
O pesquisador afirma que, caso isso não aconteça, a privatização pode se tornar uma dor de cabeça ao governo:
“Se isso não acontecer ou não ocorrer de modo satisfatório, a insegurança jurídica poderá minar não apenas as pretensões privatizantes do governo ao tornar incerta a atuação da futura empresa privada, como – mais grave – poderá provocar o desmantelamento de importantes ações públicas na área de tecnologia da informação e processamento de dados.”
O Ministério Público Federal (MPF) divulgou uma nota no dia 4 de março, em seu diário oficial eletrônico, em que questionava o decreto de Bolsonaro para incluir o Serpro no PND. De acordo com o órgão, a venda da estatal esbarra em obstáculos legais da LGPD.
Diogo Coutinho confirma que o dispositivo da Lei Geral de Proteção de Dados que veda o uso de dados coletados por fins de segurança pública, defesa nacional e segurança do Estado não podem ser acessados por entes privados é um entrave jurídico à privatização — é o caso do Artigo 4 da LGPD.
O Serpro é uma empresa que está sob o guarda-chuva do Ministério da Economia. Ela, portanto, processa dados de Imposto de Renda dos cidadãos brasileiros — informações usadas para a “segurança do Estado”, segundo o MPF.
Para Diogo Coutinho, é fundamental o papel da ANPD (Autoridade Nacional de Proteção de Dados) nas discussões de privatização do Serpro. Ela deve reformular o estatuto da operadora de dados para que a venda se encaixe nos conformes da LGPD, conferindo deveres públicos a empresas interessadas na estatal.
“Cabe à ANPD um papel do qual ela não poderá abrir mão na eventual privatização do Serpro: a articulação com que modela o processo (o BNDES), bem como participação em um fórum de comunicação institucional, por meio de cooperação técnica, com outros órgãos da administração pública envolvidos no processo”, pontua o pesquisador e professor de Direito Econômico da USP.
Entretanto, a ANPD ainda não está totalmente estruturada para dialogar com BNDES e outros órgãos envolvidos nas conversas sobre a privatização do Serpro, como por exemplo o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica).
A agência sequer estabeleceu seu próprio regulamento para atuar sobre o setor que fiscaliza. Ela apenas publicou oficialmente um guia para definir encarregados de tratamento de dados em empresas públicas e privadas. Por enquanto, nada sobre regulamentação de aquisições de uma operadora de dados federal como o Serpro.
Por fim, Coutinho criticou os decretos do Ministério da Economia que avisam sobre a inclusão do Serpro no PND. Para o pesquisador, o governo não forneceu detalhes suficientes sobre como a estatal deve operar caso seja vendida, e nem sobre o modelo da privatização — se será total ou se a União ainda terá participação como acionista.
O futuro do Serpro é incerto à sociedade brasileira, aponta Coutinho. Para ele, as negociações devem ser transparentes e com participação da sociedade civil — os cidadãos são os titulares dos dados tratados pela estatal.
“Sem isso, a privatização do Serpro não passará de uma demagógica aventura, com todas as consequências negativas que isso trará para a população”, conclui o pesquisador.
Com informações: Convergência Digital
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