Qual foi o papel da IA na última música dos Beatles?

Uma velha fita demo de John Lennon estava em péssima qualidade, mas o cineasta Peter Jackson tinha as ferramentas certas para ajudar os Beatles

Giovanni Santa Rosa
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Imagem que junta gravações atuais de Paul McCartney e Ringo Starr com material de arquivo de John Lennon e George Harrison
"Now And Then" coloca John, Paul, George e Ringo juntos pela última vez (Imagem: Reprodução/YouTube)

Lançada na quinta-feira (2), “Now and Then” é anunciada como a “última música dos Beatles”. A produção começou em 1995, usando uma das últimas gravações de John Lennon, mas a péssima qualidade da fita demo impedia seu uso. Só nos últimos anos, com o avanço da tecnologia, Paul McCartney e Ringo Starr conseguiram terminar o trabalho. A canção só foi possível graças à inteligência artificial.

A inteligência artificial ganhou os holofotes do fim de 2022 para cá, graças à popularização de seu uso generativo — ou seja, para criar textos, imagens e, também, sons.

Neste último caso, a tecnologia conseguiu “imitar” vozes de cantores famosos. Assim, o rapper Kanye West “regravou” hits de sua desafeta Taylor Swift, e Drake e The Weeknd “compuseram” uma música juntos.

Isso tudo, na verdade, foi criação de outras pessoas, usando IA.

Quando Paul McCartney anunciou, em junho, o lançamento de “Now and Then”, a “música final dos Beatles” usando IA, muita gente ficou com medo. Será que recriaram a voz de John Lennon usando uma tecnologia deste tipo?

A resposta é — felizmente, para muitos — não.

A fita demo de Lennon

O papel da IA no processo foi muito menos agressivo do que nos casos mencionados no começo deste texto. A tecnologia ajudou a “encontrar” a voz e o piano de Lennon em uma antiga gravação.

“Now and Then” tem como ponto de partida uma fita demo de John, gravada com piano e voz em seu apartamento, usando um toca-fitas comum, desses de rádios portáteis, do tipo boombox.

A qualidade, como você pode imaginar, não era das melhores. “Eu sempre queria mais da voz de John”, diz McCartney, no vídeo de bastidores da canção. “Este piano vinha e abafava tudo.”

A fita demo foi entregue por Yoko Ono, viúva de Lennon, em 1994, aos três Beatles vivos. Eles tentaram terminar “Now and Then” em 1995, mas a qualidade da gravação era tão ruim que isso foi impossível. A tecnologia da época não era suficiente para recuperar a gravação de John.

Mesmo assim, eles continuaram a trabalhar na faixa. Com a morte de George Harrison, em 2001, coube a Paul McCartney e Ringo Starr terminar a tarefa.

IA para “limpar” a gravação

Quem deu um empurrãozinho para isso foi o cineasta neozelandês Peter Jackson, famoso por O Senhor dos Anéis e O Hobbit.

Jackson dirigiu o documentário Get Back, sobre a produção do álbum Let It Be, usando imagens de arquivo e material de áudio ainda não utilizadas. Este trabalho envolveu o uso de tecnologia para melhorar a qualidade das filmagens e gravações, bem como para isolar vozes e instrumentos.

“Nós estávamos prestando muita atenção à restauração técnica. Isso acabou nos levando a desenvolver uma tecnologia que nos permite pegar qualquer faixa de áudio e dividir todos os diferentes componentes em faixas separadas, usando aprendizagem de máquina”, diz Jackson no curta de bastidores.

A tecnologia a que ele se refere é a MAL, sigla para “machine audio learning” — em tradução livre, “aprendizagem de áudio de máquina”.

Com ela, foi possível remover os ruídos da fita demo de Lennon. Nenhum som artificial foi gerado — a voz e o piano são os mesmos da gravação, apenas com qualidade aprimorada.

A música conta ainda com guitarras de George Harrison gravadas em 1995 e, claro, baixo, piano, guitarra e vocais de Paul McCartney, e bateria e vocais de Ringo Starr.

“Now and Then” está disponível nas plataformas de streaming. A banda também lançou um vídeo de bastidores e um clipe oficial, que mescla filmagens atuais e imagens de arquivo.

A música ganhou ainda uma edição física, em vinil, que inclui “Love Me Do”, primeiro single do grupo. Agora, o início e o fim dos Beatles estão no mesmo disco.

Com informações: CNET e TechCrunch

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Giovanni Santa Rosa

Giovanni Santa Rosa

Repórter

Giovanni Santa Rosa é formado em jornalismo pela ECA-USP e cobre ciência e tecnologia desde 2012. Foi editor-assistente do Gizmodo Brasil e escreveu para o UOL Tilt e para o Jornal da USP. Cobriu o Snapdragon Tech Summit, em Maui (EUA), o Fórum Internacional de Software Livre, em Porto Alegre (RS), e a Campus Party, em São Paulo (SP). Atualmente, é autor no Tecnoblog.

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