O Android Wear continua irrelevante e está morrendo lentamente

Quatro anos depois do lançamento, Android Wear tem falhas graves e carece de produtos decentes

Paulo Higa
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• Atualizado há 11 meses

O Android Wear surgiu em 2014 como uma versão adaptada do Android para gadgets vestíveis, especialmente smartwatches. Naquele ano, ele estreou no Samsung Gear Live, no LG G Watch e no famoso Moto 360. Quatro anos depois, continua sendo um sistema operacional irrelevante em sua categoria e está morrendo lentamente. O que aconteceu?

Antes dos xingamentos nos comentários, vamos aos fatos. O mercado de wearables ainda é pequeno: a categoria vendeu 26,3 milhões de unidades entre julho e setembro de 2017, de acordo com o IDC, enquanto 373,1 milhões de smartphones foram comercializados no mesmo período. Ele também é recente: o smartwatch mais vendido do mercado existe há menos de três anos.

No entanto, a categoria já é suficientemente madura e consolidada: as três líderes do mercado, Apple, Fitbit e Xiaomi, estão na frente desde o começo de 2015, quase sem alternar entre posições, concentrado quase 40% das vendas. As próximas colocações são historicamente ocupadas por Garmin, Huawei e Samsung.

Todas essas seis maiores empresas de wearables do mundo têm um fator em comum: nenhuma dá bola para o Android Wear. A Samsung foca no Tizen; a Apple desenvolve o watchOS; e Xiaomi, Fitbit e Garmin também possuem sistemas operacionais próprios. A Huawei é a única que ainda lança alguma coisa com Android Wear, mas suas vendas, na verdade, são concentradas em smartbands que rodam uma plataforma proprietária.

Por que o Android Wear não deu certo até hoje

Por que o maior sistema operacional de smartphones não emplacou nos wearables, os maiores companheiros dos smartphones? Há algumas teorias para isso. No Ars Technica, Ron Amadeo afirma que a grande culpada é a Qualcomm, que não anuncia um processador novo para smartwatches há dois anos. O último foi o Snapdragon Wear 2100, que já era ruim no lançamento, adotando um processo ultrapassado de 28 nanômetros (nos smartphones, os chips já estavam com litografia de 14 nm).

Asus ZenWatch 3, com Snapdragon Wear 2100, o processador para wearables mais recente da Qualcomm

Eu não acho que podemos jogar tudo nas costas da Qualcomm: há uma combinação de culpados, que inclui as fabricantes de wearables e o próprio Google.

Para começar, o Android Wear só começou a ficar minimamente decente na versão 2.0, lançada no ano passado (e que muitos smartwatches não receberam). Ele passou a permitir instalação de aplicativos da Play Store diretamente no wearable, tornando-se mais autônomo; e ganhou melhorias na interface, que era muito dependente de toques e gestos, algo pouco prático em uma tela minúscula no pulso e inconveniente devido às marcas de dedo que surgem só para dificultar a visualização das horas.

Os problemas do sistema operacional

Mesmo depois da atualização, o Android Wear não ficou exatamente bom: ele nunca conseguiu ser otimizado o suficiente para o hardware que tinha à disposição, apresentando engasgos nas animações e lentidões nos aplicativos. O processador de 120 MHz e os 128 kB de RAM do Pebble, por exemplo, davam um banho de fluidez nos chips quad-core e os 512 ou 768 MB de RAM dos Android Wear.

O Android Wear também é um devorador de bateria. Minha base de comparação é com o Tizen: o Gear S3 Frontier, por exemplo, aguenta dois dias completos comigo com a tela sempre ligada, ou até três dias mostrando as horas somente quando necessário. Eu nunca consegui mais de um dia e meio em nenhum Android Wear, mesmo com a tela desligada.

Gear S3 Frontier, com Tizen, tem mais bateria, mais desempenho e mais recursos

Você pode argumentar que o chip do Gear S3 é mais moderno e econômico (14 nm), o que é verdade, mas mesmo o Gear S2 tinha autonomia superior (dois a três dias com a tela desligada) com um processador de 28 nm, uma tela AMOLED e uma bateria minúscula de 250 mAh (o ZenWatch 3 tem 340 mAh; o Moto 360 Sport tem 300 mAh, o Polar M600 tem 500 mAh). Se o problema não está no processador, na tela ou na bateria, sobra o sistema operacional como culpado.

Cadê os produtos bons?

As fabricantes também não ajudam, já que há poucas opções de smartwatches com Android Wear no mercado e praticamente nenhum deles é atraente do ponto de vista do custo-benefício, design ou recursos.

No Brasil, entre as que vendem ou poderiam vender algo com Android Wear, temos Asus, LG e Polar. A LG não lança relógios no país e, mesmo se lançasse, o Watch Sport foi duramente criticado pelo desconforto e bateria ruim; o Polar M600 é um esportivo que faz seu trabalho, mas possui tela ruim e design escabroso fora da academia; o ZenWatch 3 é um produto mais caro e com menos recursos que a concorrência, sem GPS ou sensor cardíaco. O Tag Heuer Connected é lindo, mas aqui estamos falando só de produtos que podem ser comprados por mais de cinco pessoas no país.

O fracasso do Android Wear, portanto, é uma combinação de culpa e desinteresse de todas as partes. Ele sofre também do problema do ovo e da galinha: os consumidores não compram porque os produtos são ruins; as fabricantes não investem no mercado porque as pessoas não compram; os produtos continuam ruins. Seria ótimo ter uma plataforma forte para wearables do Google, mas, infelizmente, nada parece caminhar para algo perto disso.

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Paulo Higa

Paulo Higa

Ex-editor executivo

Paulo Higa é jornalista com MBA em Gestão pela FGV e uma década de experiência na cobertura de tecnologia. No Tecnoblog, atuou como editor-executivo e head de operações entre 2012 e 2023. Viajou para mais de 10 países para acompanhar eventos da indústria e já publicou 400 reviews de celulares, TVs e computadores. Foi coapresentador do Tecnocast e usa a desculpa de ser maratonista para testar wearables que ainda nem chegaram ao Brasil.

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