Quando a operadora acha que você consumiu internet demais

Tim voltou a cancelar a banda larga de clientes que atingiram a faixa dos 2 TB de dados trafegados; contrato prevê punições

Josué de Oliveira

Contratos de serviços de banda larga frequentemente estabelecem limites de tráfego. No entanto, dificilmente usuários são punidos caso os ultrapassem. Uma cautelar da Anatel proíbe a punições nesses casos, seja a redução na velocidade ou a cobrança de valor adicional.

As prestadoras de serviço, no entanto, argumentam que a impossibilidade de praticar punições — de estabelecer franquia na banda larga, basicamente — gera distorções na remuneração. Casos em que clientes chegaram a ser afetados, como ocorreu em 2021 com assinantes da Claro, costumam ser vistos como um abuso por parte das operadoras.

Recentemente, uma nova ocorrência fez esse debate voltar à tona. A TIM interrompeu o serviço de usuários que ultrapassaram os 2 TB de dados trafegados. Os críticos relembram que a Anatel não permite franquia no Brasil, além de argumentar que o volume estabelecido como limite é baixo.

No entanto, aí está o pulo do gato da TIM: ela conseguiu encontrar um controverso jeito de limitar o consumo de internet sem precisar estabelecer uma franquia na banda larga.

Tá no contrato

No Tecnocast 310, tentamos entender as razões pelas quais a TIM estaria agindo dessa forma.

A pista está no próprio contrato do serviço TIM Ultrafibra. “A TIM considera como uso excessivo do serviço TIM ULTRAFIBRA quando o equipamento ultrapassar o volume de 500 (quinhentas) conexões simultâneas e/ou alto consumo de tráfego acima de 2TB.” A chave aí é o termo “uso excessivo”.

Mais a frente no contrato, a TIM estabelece que pode desligar qualquer equipamento que se enquadre na cláusula citada, assim como rescindir o contrato de prestação de serviço.

OK, mas por quê? Bem, o motivo é que estes critérios caracterizariam não um uso residencial, mas sim “industrial”. E este padrão de consumo seria incompatível com a natureza do serviço ofertado.

Ou seja, a TIM estabeleceu um limite do que entende ser o perfil residencial. O que passa disso seria outra coisa, e a empresa se reserva o direito de não atender a esse outro perfil.

Em nota, a empresa acrescenta que esse tipo de consumo “congestiona a rede e afeta a qualidade do serviço para os clientes que fazem uso correto de sua banda larga.”

Por isso a punição é a interrupção do serviço, e não a redução de velocidade ou cobrança pelo tráfego excessivo. Como explica Thiago Ayub, diretor de tecnologia da Sage Networks, em entrevista ao Tecnocast:

Eles não classificam isso como limite de franquia, eles classificam como uso abusivo. Qualquer serviço de telecomunicações tem cláusulas nesse sentido. Se você coloca um modem não homologado pela Anatel, por exemplo, (…) o provedor se dá o direito de cortar o seu serviço.

Seria, portanto, de uma espécie de cláusula de saída.

Para proteger o fornecedor de um uso abusivo por parte do consumidor que prejudique a própria empresa ou outros assinantes que usufruem do mesmo serviço. Se isso se sustenta num tribunal, há de ser testado.

Quem usa 2 TB de banda larga?

Independente de como um juiz vá interpretar essa tecnicalidade, o que muitos usuários argumentam é que o 2 TB é um limite baixo. A TIM costumava permitir mais do que isso, inclusive, mas baixou o limite de 17 para 2 TB anos atrás, em meio a outro caso de corte de sinal.

Seria insuficiente? De acordo com dados levantados pelo Thiago Ayub, a maioria dos usuários fica bem abaixo dos 2 TB. E, quando digo maioria, é a maioria esmagadora mesmo.

O levantamento de Ayub, explicado em detalhes no Tecnocast 310, foi feito a partir de dados de usuários de banda larga de dois grandes provedores do Sudeste. Naturalmente trata-se de um recorte de todo, mas pode-se extrair insights dele.

Os resultados: dos usuários do primeiro provedor, apenas 0,13% trafegaram mais do que 2 TB no mês; no caso do segundo, a quantidade é ainda menor: 0,08%.

Ayub acrescenta que o consumo médio dos provedores que analisou era em torno de 200 GB. Bem abaixo do limite.

Para comparação, olhemos para o mercado americano. Por lá, a média por família é de cerca de 586.7 GB. Os dados vêm de relatório da OpenVault, empresa de soluções de tecnologia de banda larga.

São pistas de que os 2 TB são suficientes para a vasta maioria dos consumidores de banda larga. Não só do Brasil, mas até mesmo dos EUA.

Isso não significa que não é possível alcançar essa marca, e com usos legítimos. Certos jogos da nova geração podem ultrapassar 100 GB, por exemplo; com modelos de assinatura, seria possível esgotar os 2 TB em pouco tempo.

Também é importante destacar que a TIM aplica a cláusula dos 2 TB de maneira igual em planos muito diferentes. Você pode assinar uma banda larga de 300 Mb/s ou uma de 2 Gb/s que o limite será o mesmo. Pode-se argumentar que o perfil de usuário difere bastante nesses casos, e que, para velocidades mais altas, faria sentido aumentar também o limite.

Enquanto essa discussão prossegue, o que podemos dizer de mais certo é que o consumidor que ultrapassa os 2 TB faz parte de um público muito reduzido. E o que a TIM dá a entender que, se você está inserido desse grupo, aqui não é o melhor lugar para você.

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Josué de Oliveira

Josué de Oliveira

Produtor audiovisual

Josué de Oliveira é formado em Estudos de Mídia pela UFF. Seu interesse por podcasts vem desde a adolescência. Antes de se tornar produtor do Tecnocast, trabalhou no mercado editorial desenvolvendo livros digitais e criou o podcast Randômico, abordando temas tão variados quanto redes neurais, cartografia e plantio de batatas. Está sempre em busca de pautas que gerem conversas relevantes e divertidas.