Meta pede fim de segundo que ajusta relógios à rotação da Terra

Segundo intercalar sincroniza tempo solar aparente e tempo universal coordenado, mas computadores não sabem lidar com ele

Giovanni Santa Rosa
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• Atualizado há 3 meses
Relógio
Relógio (Imagem: Agê Barros / Unsplash)

Estamos acostumados a ver notícias da Meta envolvendo redes sociais, aplicativos e o metaverso. Tudo isso depende de servidores, e estes servidores dependem de relógios. Por isso, um engenheiro e um cientista da empresa estão pedindo o fim do segundo intercalar. Este segundo “extra” existe para acertar o relógio com a rotação da Terra, mas pode causar problemas a computadores.

“Segundo o quê?”

Calma, vamos começar do começo.

O dia do relógio tem 24 horas, todas de 60 minutos, e todos os minutos de 60 segundos, totalizando 86.400 segundos. É bem exato e sempre igual.

A rotação da Terra, porém, não é tão bonitinha assim. Ela tem algumas irregularidades minúsculas, devido a marés, derretimento e congelamento de geleiras, e convecção do manto terrestre, entre outros fatores.

Em 1972, a rotação da Terra durou, em média, aproximadamente 86.400,003 segundos; em 2016, 86.400,001 segundos.

Ou seja: a rotação da Terra tende a ser um pouco mais lenta que o relógio. Por isso, o horário atômico internacional e o horário solar aparente podem ficar descompassados.

Quando a diferença é maior que 0,9 segundo, um segundo intercalar é introduzido no Tempo Universal Coordenado, o UTC. Isso geralmente é definido com alguns meses de antecedência.

Relógio
Relógio (Imagem: Alexey Savchenko / Unsplash)

Um segundo intercalar é literalmente um segundo a mais no relógio UTC. Ele entra entre o 23:59:59 e o 00:00:00.

O último foi em 31 de dezembro de 2016. Naquele dia, o UTC passou de 23:59:59 para 23:59:60 (!) para 00:00:00.

Existe, porém, a possibilidade de a rotação da Terra estar adiantada em relação ao relógio.

Isso não é tão improvável assim: em 2021, o planeta estava girando um pouco mais rápido que o normal, e registrou os 28 dias mais curtos desde 1960, todos com menos de 86.399,999 segundos.

Neste caso, cientistas começaram a discutir um segundo intercalar negativo. O relógio passaria de 23:59:58 para 00:00:00, pulando um segundo.

Segundo extra é pesadelo para servidores

Um segundo a mais ou a menos tanto faz para nós, humanos. Nós sabemos que horas são, e não precisamos de tanta precisão para acordar, entregar tarefas e comparecer a compromissos.

Com os computadores, isso é bem diferente. Os mais jovens talvez não se lembrem, mas, durante os anos 90, houve um temor de problemas em larga escala causados pelo Bug do Milênio, quando os computadores poderiam não reconhecer o ano 2000. É por isso que a Meta está preocupada.

Oleg Obleukhov, engenheiro de produção, e Ahmad Byagowi, pesquisador científico, escrevem no blog de engenharia da empresa que o segundo intercalar já causou problemas para outras companhias.

Em 2012, o Reddit ficou 40 minutos fora do ar porque seus servidores ficaram confusos com a mudança de horário, travando as CPUs. Foursquare, LinkedIn e Yelp também tiveram problemas. Em 2016, o serviço de DNS do CloudFlare foi afetado.

Relógio
Relógio (Imagem: Djim Loic / Unsplash)

Isso acontece, em grande parte, por arquivos com marcações de tempo incomuns — o tal do 23:59:60. Isso pode corromper discos e fazer as máquinas pararem de funcionar.

Outro problema é que, em alguns códigos, o segundo intercalar causa intervalos de tempo negativos. Como isso não está previsto no programa, surgem bugs.

A Meta, o Google e a Amazon usam uma técnica chamada “smearing” para evitar questões assim.

Quando um segundo intercalar está previsto, a Meta “espalha” este segundo e deixa o relógio mais devagar por 17 horas. No Google, esse processo envolve as 24 horas antes do segundo extra.

Assim, o relógio não sai de sincronia, o segundo 23:59:60 não aparece nos arquivos, nenhuma variável de tempo fica negativa.

Funciona, mas a Meta ainda não está satisfeita — existem diferentes algoritmos possíveis para deixar o relógio mais lento, e diferenças entre os servidores podem surgir.

Por isso, ela quer que o segundo intercalar acabe. E ela não está sozinha.

Meta quer fim do segundo intercalar

“Com a demanda cada vez maior por precisão de relógios em vários setores, o segundo intercalar está causando mais danos do que benefícios, resultando em distúrbios e interrupções”, escrevem os engenheiros da Meta.

Obleukhov e Byagowi não são os primeiros a reclamar disso. Linus Torvalds, o criador do Linux, disse em 2012: “Quase toda vez que temos um segundo intercalar, descobrimos alguma coisa. É muito irritante, porque é um clássico caso de código que praticamente nunca roda, e nunca é testado pelos usuários sob condições normais.”

Além da Meta e de Torvalds, Google, Amazon e Microsoft apoiam o fim do segundo intercalar.

Duas agências governamentais também estão neste lado da briga: o Instituto Nacional de Padrões e Tecnologia dos EUA (NIST) e o Escritório Internacional de Pesos e Medidas da França (BIPM).

O BIPM, inclusive, é um dos responsáveis pelo Tempo Universal Coordenado (UTC).

Do outro lado, cientistas dizem que o fim dos segundos intercalares pode ter impacto na astronomia. Eles também argumentam que o Tempo Atômico Internacional (TAI) e o horário do GPS poderiam ser usado pelas máquinas. Esses dois relógios não usam segundo intercalar.

Por enquanto, ainda não se sabe o que vai ser decidido, e qual vai ser a solução para o problema.

A União Internacional das Telecomunicações (UIT), uma agência da Organização das Nações Unidas (ONU), encomendou um estudo após discutir o tema na sua conferência de 2015. O relatório deve ser publicado em 2023, quando a organização se reunirá novamente.

Com informações: Meta, Engadget, The Verge, Cnet.

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Giovanni Santa Rosa

Giovanni Santa Rosa

Repórter

Giovanni Santa Rosa é formado em jornalismo pela ECA-USP e cobre ciência e tecnologia desde 2012. Foi editor-assistente do Gizmodo Brasil e escreveu para o UOL Tilt e para o Jornal da USP. Cobriu o Snapdragon Tech Summit, em Maui (EUA), o Fórum Internacional de Software Livre, em Porto Alegre (RS), e a Campus Party, em São Paulo (SP). Atualmente, é autor no Tecnoblog.

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