Operadoras de TV vão para cima da Netflix para estancar perda de clientes, mas essa não é a solução
As operadoras de TV por assinatura atuantes no Brasil não estão nos seus melhores dias. Desde 2014, o número de assinantes desse tipo de serviço vem caindo progressivamente. A reação já vem sendo preparada, mas não sob a forma de uma política de preços mais agressiva ou de uma reformulação dos pacotes ofertados, por exemplo. As empresas planejam partir para cima da Netflix.
É o que aponta esta coluna de Ricardo Feltrin para o UOL. De acordo com a matéria, as operadoras preparam um “megalobby” em Brasília para que, na prática, o governo torne as operações da Netflix mais complicadas no Brasil.
Há, basicamente, quatro medidas a serem solicitadas: que a Ancine cobre a Condecine da Netflix (uma taxa que pode fazer a empresa pagar cerca de R$ 3.000 por cada produção em seu catálogo); que a companhia seja obrigada a ter pelo menos 20% de produções nacionais em seu acervo; que exista cobrança de ICMS sobre o serviço oferecido; por fim, que haja pagamento extra pelo volume de dados que as transmissões de vídeo geram.
Esse tipo de pressão não é novidade para a Netflix. Há tempos que operadoras de várias partes do mundo querem cobrar pelo tráfego de streaming, problema que também atinge serviços como YouTube e Twitch.
A cobrança de mais impostos também não é novidade: em setembro de 2015, a Câmara aprovou a incidência do Imposto Sobre Serviços (ISS) a setores que atualmente não são tributados, como os serviços que vendem conteúdo pela internet. O assunto precisa agora ser tratado pelo Senado.
Sobre conteúdo nacional, as operadoras de TV por assinatura são obrigadas desde 2011 a exibir pelo menos 30% de produções brasileiras em sua programação. A princípio, o objetivo da medida é estimular a produção de conteúdo audiovisual no país. O problema é que os custos associados a essas cotas acabam sendo repassados ao consumidor. Sob esse ponto de vista, a cota de produções nacionais é uma desvantagem competitiva, daí o interesse das operadoras para que a Netflix se torne sujeita à mesma regra.
Apesar de uma complicação ou outra, as operadoras de TV conseguem lidar com a exigência das cotas por estarem, na maior parte dos casos, ligadas a grandes grupos de comunicação que têm estrutura para produzir conteúdo. Todavia, esses grupos geralmente não estão dispostos a fornecer produções nacionais a serviços como Netflix. O Grupo Globo é um exemplo dessa resistência.
Investir em produção nacional exclusiva é a saída, se a regra vigorar. Na verdade, a ideia em si não é ruim: a Netflix aposta cada vez mais em conteúdo próprio. No entanto, para respeitar o limite, a companhia teria que investir em muitas produções. Nessas circunstâncias, os gastos cresceriam vertiginosamente.
Assim como o Uber e tantos outros serviços, a Netflix se enquadra naquele tipo de negócio que, por ser disruptivo, sofre ataques de grupos econômicos tradicionais. É de se esperar, portanto, que a empresa esteja jurídica e financeiramente preparada para lidar com esses obstáculos.
Mas vamos supor que a Netflix realmente sofra uma rasteira e tenha que aumentar consideravelmente os valores dos seus planos. Talvez isso faça a empresa parar de crescer no Brasil ou mesmo perder usuários. Vitória das operadoras, certo? Mais ou menos. É pouco provável que isso faça as assinaturas de TV aumentarem.
Não é a Netflix que está fazendo as operadoras perderem mercado, não sozinha. Há mais de um fator. A crise econômica talvez seja o mais importante deles: se falta dinheiro, as pessoas tendem a cortar tudo aquilo que é supérfluo. É o caso da TV paga.
Nessas circunstâncias, a pessoa também pode cortar a sua assinatura da Netflix, mas como a mensalidade do serviço é baixa, esse é um gasto que pode ser mantido. Aqui há a percepção do valor agregado, ou seja, o consumidor entende que realmente vale a pena pagar pelo serviço.
Na TV por assinatura o contrário vem acontecendo. Como apontamos no Tecnocast 029, as pessoas estão mudando a sua relação com a TV, preferindo elas mesmas decidirem como e quando consumir conteúdo audiovisual, coisa que os canais não permitem — ou permitem com aparelhos que gravam conteúdo para ser assistido depois, mas geralmente os custos dessa modalidade de serviço são maiores.
Há também o excesso de comerciais (ao pagar para ter acesso ao canal, você espera encontrar menos publicidade ali), conteúdo que é repetido à exaustão (Harry Potter e Piratas do Caribe parecem estar sempre passando em algum lugar) e até mesmo a interface dos serviços: é cansativo ficar navegando pelos canais à procura de algo para assistir.
Segundo cálculos da Anatel, as operadoras de TV perderam mais de 500 mil clientes entre julho e novembro de 2015. Esse número aumenta para um milhão de assinaturas se considerarmos também 2014, ano em que as baixas começaram com força.
Nem tudo está perdido, porém. Estima-se que as operadoras de TV tenham, atualmente, cerca de 19 milhões de assinaturas ativas. Dá tempo de esboçar uma reação inteligente antes que o quadro fique ainda mais deteriorado, certo?
Apostar em planos mais flexíveis e também seguir o caminho do streaming pela internet são exemplos de medidas que podem ser tomadas. Só não dá esperar resultados favoráveis atacando a Netflix e outras empresas do ramo: o sucesso desses serviços é reflexo da mudança de hábitos dos consumidores. Eles não desistem facilmente daquilo que oferece mais conveniência.