Pessoas estão vendo cores pela primeira vez graças a estes óculos

Criados acidentalmente, os óculos da EnChroma estão ajudando muita gente a superar limitações do daltonismo

Emerson Alecrim
• Atualizado há 8 meses
EnChroma - óculos

O daltonismo é aquele tipo de condição que, para indivíduos que enxergam normalmente, soa como algo pouco importante — a pessoa não está cega, oras. Mas, para quem é daltônico, o problema é impactante, sim. Dá para notar isso só pelo crescente número de vídeos no YouTube que mostram pessoas com o distúrbio enxergando corretamente pela primeira vez, tudo graças a um tipo especial de óculos criado pela EnChroma.

Que cores você vê aqui?

Estima-se que, para cada 12 homens no mundo, um tenha algum tipo de daltonismo. A condição também afeta o sexo feminino, mas de modo bem menos expressivo: um caso para cada 233 mulheres. Basicamente, o que essas pessoas têm é uma anomalia, frequentemente de ordem genética (casos oriundos de lesões nos olhos ou no cérebro são incomuns), que interfere na percepção das cores.

A maioria dos daltônicos têm dificuldades para distinguir o vermelho e o verde, assim como variações dessas cores. Mas há um grupo menor que não enxerga corretamente o azul, além das subsequentes variações. Por que isso acontece?

Teste de Ishihara: se você não identifica os números no círculos, é bom procurar um médico
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Nos humanos, a retina possui um conjunto de células sensíveis às cores chamadas cones. Há cones que identificam os comprimentos de onda relacionados ao vermelho, outros que o fazem para o verde e um terceiro grupo para o azul.

Como você deve saber, a combinação dessas três cores é que gera todas as outras. Mas, nos indivíduos com daltonismo, algum dos tipos de cones pode não estar presente em quantidade suficiente ou apresentar uma anomalia de pigmentação no interior das células que altera a sensibilidade à cor.

Este é o efeito: a pessoa não consegue enxergar corretamente determinadas cores. Quem tem daltonismo causado por ausência ou anomalias nos cones para vermelho (protanopia), por exemplo, poderá ver essa cor (e suas variações) em tons de bege, cinza, marrom ou verde.

Tipos de daltonismo
Tipos de daltonismo

Os óculos da EnChroma

Não há cura para o daltonismo. Pode até ser que um dia tenhamos um tratamento que estimule o desenvolvimento dos cones ausentes ou substituam os que tem alterações de pigmentação, mas isso é coisa para um futuro distante. É por isso que os óculos que a EnChroma desenvolveu estão sendo tão exaltados.

Sabe aquelas invenções que surgem acidentalmente? É o caso aqui. Com doutorado em ciência do vidro pela Universidade Alfred, nos Estados Unidos, Don McPherson decidiu criar um tipo de óculos para proteger os olhos dos médicos em cirurgias com laser.

Os médicos que experimentavam os óculos adoravam a invenção, tanto que alguns até começaram a usá-los fora dos centros cirúrgicos. Ao notar isso, McPherson passou a usar os óculos ocasionalmente ao ar livre. Era uma experiência interessante: “usá-los fez com que todas as cores parecessem incrivelmente saturadas”, disse.

Uma dessas vezes foi em 2005, durante um jogo de frisbee. Um amigo de McPherson, Michael Angell, viu os óculos durante a partida e pediu para testá-los. Aí veio a surpresa: Angell olhou para um conjunto de cones (desta vez, aqueles que são usados no trânsito) e percebeu que estava conseguindo enxergá-los normalmente. Angell é daltônico.

Óculos da EnChromaComo a mágica acontece

Depois da descoberta, McPherson passou um tempo estudando o daltonismo e, posteriormente, se juntou a Tony Dykes e Andrew Schmeder para fundar a EnChroma Labs, empresa que se dedica ao desenvolvimento de óculos para daltônicos. As primeiras unidades comerciais foram lançadas em 2012.

Hoje, a empresa oferece vários modelos, incluindo versões para crianças. Todas as opções lembram óculos de sol comuns. Só mesmo usando é que dá para perceber que aquelas lentes de convencionais não têm nada.

Cada cor corresponde a um comprimento distinto de onda de luz. Quando dizemos que há certos tipos de cones (células) ausentes ou com pigmentação alterada, significa que as respostas dessas células a determinadas ondas luminosas são diferentes do normal. É isso que faz o cérebro não identificar corretamente as cores.

Pois bem, as lentes da EnChroma são capazes de modificar a proporção de luz que passa por ali. Schmeder (relembrando, um dos sócios da EnChroma) desenvolveu um modelo matemático que simula a visão que pessoas com daltonismo têm. Com base nesse modelo, a empresa identificou os comprimentos de onda sensíveis — aqueles em que há percepção incorreta de cores.

Eis o truque: as lentes da EnChroma são revestidas com um material capaz de filtrar as ondas de luz que podem ser enxergadas erroneamente. Observe o gráfico abaixo. Nele, a parte branca corresponde aos comprimentos de onda que passam pela lente. Repare que as partes bloqueadas indicam os comprimentos em que há sobreposição, isto é, que podem alterar a percepção das cores.

EnChroma - gráfico de ondas

Se dá certo? A enormidade de vídeos que mostram a reação de daltônicos experimentando os óculos diz que sim. Um dos mais recentes é este:

Outro (avance para 2min30seg se quiser ir direto):

Legal, né? Não é de causar espanto a emoção de quem enxerga cores corretamente pela primeira vez. Embora seja considerado um distúrbio leve do ponto de vista funcional, o daltonismo pode atrapalhar o exercício de determinadas profissões, deixar a pessoa confusa diante de um semáforo, dificultar a preparação de certos tipos de alimentos e por aí vai.

Os óculos não funcionam em todos os casos, mas a EnChroma estima que 80% dos daltônicos podem se beneficiar da invenção. O maior problema é que, embora não sejam necessariamente caros, os óculos podem pesar no bolso, principalmente de quem mora no Brasil: os preços variam entre US$ 269 (versão infantil) e US$ 469.

A EnChroma faz questão de ressaltar que os óculos não devem ser usados para determinados trabalhos, como conduzir embarcações, afinal, o produto é um paliativo, não um tratamento que leva à cura. Apesar disso, não dá para negar: esse tipo de produto é mesmo uma baita invenção.

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Emerson Alecrim

Emerson Alecrim

Repórter

Emerson Alecrim cobre tecnologia desde 2001 e entrou para o Tecnoblog em 2013, se especializando na cobertura de temas como hardware, sistemas operacionais e negócios. Formado em ciência da computação, seguiu carreira em comunicação, sempre mantendo a tecnologia como base. Em 2022, foi reconhecido no Prêmio ESET de Segurança em Informação. Em 2023, foi reconhecido no Prêmio Especialistas, em eletroeletrônicos. Participa do Tecnocast, já passou pelo TechTudo e mantém o site Infowester.