Entenda o que propõe o PL das Fake News
PL 2.630/2020 nasceu para criminalizar fake news e se tornou proposta para regulamentar plataformas, mas segue com problemas
PL 2.630/2020 nasceu para criminalizar fake news e se tornou proposta para regulamentar plataformas, mas segue com problemas
O termo “fake news” está há alguns anos no noticiário político. Ele anda de mãos dadas com redes sociais, plataformas de mensagem e campanhas de desinformação. Mesmo assim, definir o que é “fake news” não é uma tarefa fácil — e tentar resolver o problema, menos ainda. O Projeto de Lei 2.630/2020, também chamado de PL das Fake News, vem sendo discutido há mais de dois anos. Ele já teve críticas, alterações, mais críticas e ainda tem um bom caminho pela frente, até se tornar (ou não) lei.
O Projeto de Lei 2.630/2020 quer definir regras para funcionamento de plataformas de mensagens, redes sociais e motores de busca. Ele se aplica a serviços com mais de 10 milhões de usuários no Brasil.
Estas ferramentas terão que publicar relatórios periódicos sobre suas ações de moderação de conteúdo, além de dar aos usuários a chance de apelar após ter uma publicação removida ou uma conta suspensa, por exemplo.
As plataformas que atuam no Brasil precisarão ter uma sede no Brasil para responder às autoridades nacionais.
A lei quer que os serviços identifiquem quando um conteúdo é publicidade ou não, inclusive especificamente quando se trata de propaganda eleitoral. As campanhas terão seus dados publicados, como valor gasto e perfil dos eleitores alvo das peças.
Os disparos de mensagens em massa para fins políticos e partidários ficam proibidos, pela proposta do PL, bem como a comercialização de ferramentas desse tipo.
As contas institucionais de políticos com mandato, integrantes do Poder Executivo e membros do Poder Judiciário não poderão ser monetizadas, isto é, não poderão receber dinheiro das plataformas pela exibição de publicidade.
Esta é uma forma de evitar que custos públicos — empregados na produção de conteúdo para um canal desses — se tornem lucros privados — que o dono do canal receberia com a monetização.
O PL também prevê remuneração de sites por conteúdo jornalístico e uma extensão da imunidade parlamentar para os sites e redes sociais dos políticos.
O Projeto de Lei 2.630/2020 é oficialmente chamado de Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet, mas ficou conhecido mesmo como PL das Fake News.
Ele foi proposto pelo senador Alessandro Vieira (Cidadania/SE) e nasceu como uma forma de punir quem espalha desinformação. No Senado, foi discutido e aprovado rapidamente.
Na avaliação de especialistas, o texto era simples demais, e não compreendia totalmente as nuances do problema. Além disso, tinha um caráter bastante punitivista.
Para Victor Durigan, da Coalizão Direitos na Rede, esse era um problema. “O PL tinha uma tipificação de crime muito simplista. O conceito de desinformação não é unânime; ainda não há uma definição que seja consenso”, explica, em conversa com o Tecnoblog.
Depois de uma tramitação rápida no Senado, ele “desacelerou” na Câmara dos Deputados. Lá, foram feitas audiências públicas com especialistas no tema.
Atualmente, ele continua na Câmara. Em seu formato atual, conta com 42 artigos. O texto teve relatoria do deputado Orlando Silva (PCdoB/SP).
Caso seja aprovado nas comissões e no plenário da Câmara, deve voltar ao Senado — quando um projeto é modificado em outra casa legislativa, ele precisa retornar e ser aprovado novamente. Depois de passar pelas duas casas, vai para sanção do Presidente da República.
O projeto ganhou corpo e passou a ter uma abrangência maior. Além disso, deixou de tratar diretamente do problema da desinformação para abordá-lo indiretamente.
“Não existe apenas uma solução [para as fake news] apresentada pelos parlamentares”, diz João Victor Archegas, diretor do Instituto Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro, em entrevista ao Tecnoblog.
Para Durigan, um apelido melhor para o Projeto de Lei 2.630/2020 seria “PL da regulamentação das plataformas”.
Isso porque o texto que aguarda votação na Câmara agora se concentra em estipular regras para redes sociais (Twitter, Facebook e Instagram, por exemplo), aplicativos de mensageria instantânea (WhatsApp, Telegram) e ferramentas de busca (Google, Bing).
Os buscadores, inclusive, não estavam incluídos no texto inicial. “Não fazia sentido falar de YouTube sem falar de Google”, avalia positivamente Durigan.
Entre as regras estipuladas para as empresas, estão relatórios periódicos de como a moderação tem agido e quais são as regras, além do estabelecimento de uma entidade de “autorregulação regulada”, nas palavras de Archegas.
Outro ponto é dar mais visibilidade para o funcionamento interno das plataformas. “Será que conhecer os algoritmos não é uma forma mais eficiente de combater a desinformação?”, questiona Durigan.
Se isso soa familiar para você, não está errado. O assunto também vem sendo discutido em outros países. Na União Europeia, ela resultou na Lei de Serviços Digitais, também conhecida por DSA.
Ela estipula que plataformas com mais de 45 milhões de usuários devem passar por auditorias e liberar acesso aos próprios dados e algoritmos a autoridades e pesquisadores. Outra norma define que os usuários podem optar por não receber recomendações ou sugestões baseadas no seu perfil.
Para Durigan, o PL das Fake News, se bem discutido, traz a oportunidade de colocar o Brasil na vanguarda dessas discussões. No entanto, o projeto ainda tem problemas.
A proposta inicial definia que aplicativos como WhatsApp e Telegram deveriam manter um conjunto de metadados por um determinado período de tempo. Isso poderia servir para investigações posteriores, visando definir onde uma fake news se originou.
Para Archegas, a obrigação de rastreamento pode “colocar a criptografia de ponta a ponta em perigo, com danos irreparáveis à privacidade dos usuários”. Ele considera que a rastreabilidade não desapareceu totalmente do PL.
Outra questão é a tipificação ou não de um crime de desinformação. O projeto inicial tinha caráter mais punitivista, e procurava definir um crime desse tipo. Na avaliação dos especialistas, essa é uma tarefa complicada.
Durigan explica que o grupo por ele representado, a Coalizão Direitos na Rede, não apoia a tipificação de um crime de desinformação. As entidades acreditam que isso seria desproporcional.
“A tipificação abre brechas para punir condutas banais na internet”, comenta. “A desinformação é um problema, mas quem repassa pode ser também uma vítima dela, não um criminoso.”
Um ponto bastante criticado da atual versão do PL das Fake News é a imunidade para detentores de mandatos eletivos e ocupantes do Poder Executivo. Isso poderia “blindar” as contas dessas pessoas das regras de moderação das plataformas.
Durigan considera que a imunidade parlamentar serve para responsabilização civil e criminal, mas não deve se estender a decisões de remoção de conteúdo.
Essa imunidade também poderia criar desigualdades durante eleições. Um candidato à reeleição não estaria sujeito à moderação das plataformas, enquanto um candidato sem mandato teria que seguir as regras para que seus conteúdos não sejam removidos.
A previsão de uma remuneração a empresas jornalísticas também causa preocupação. A leitura é que plataformas como Google e Facebook usam do conteúdo de revistas e jornais sem pagar por isso.
Durigan considera que o tema é importante, e justamente por isso não deve estar no projeto, mas sim ser discutido com a profundidade merecida em outro momento.
E há muito a ser debatido. “Qual o conceito de atividade jornalística? Jornalismo independente entra? Pode excluir veículos menores? Isso não cria uma vantagem para os maiores?”, questiona o pesquisador.
Até mesmo a Federação Nacional dos Jornalistas pede a supressão desse artigo do texto do PL das Fake News.
Esta, aliás, é outra discussão que encontra eco no exterior. A Austrália aprovou um regulamento desse tipo em fevereiro de 2021. Google e Facebook, aliás, foram contra.
As críticas ao PL 2.630/2020 não vêm só de entidades da sociedade civil preocupadas com transparência e privacidade. Empresas como Google, Meta, Twitter e Mercado Livre fizeram apontamentos contra o projeto.
O Google, por exemplo, alega que o PL das Fake News pode tornar o seus serviços “menos úteis e seguros”. Isso porque, ao obrigar a plataforma a dar mais detalhes sobre seus sistemas, ela ficaria mais vulnerável a abusos, golpes e spam.
A transparência sobre regras de moderação, na visão da empresa, também daria a agentes mal-intencionados formas de enganar as ferramentas usadas pelos sistemas.
Já as regras de publicidade poderiam, na visão do Google, prejudicar pequenos empreendedores e veículos de mídia.
O Google não está sozinho. Em uma carta publicada em conjunto com Meta, Twitter e Mercado Livre, as empresas dizem que o PL 2.630/2020 ameaça a internet livre. Elas alegam que ele desestimula ações de moderação.
Para Durigan, esses argumentos não procedem. Na opinião dele, as empresas trabalham para trazer medo porque são contra qualquer tipo de regulamentação. “A lei diz que tem que ter mais transparência, só isso.”
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