Apple, Facebook e Google estão na mira de processos antitruste; entenda os motivos
Apple, Facebook e Google lidam com um número crescente de acusações de práticas anticompetitivas. O que isso significa?
Apple, Facebook e Google lidam com um número crescente de acusações de práticas anticompetitivas. O que isso significa?
Mesmo quem não acompanha o noticiário de tecnologia pode ter visto os nomes da Apple, Facebook e Google associados a processos antitruste. Essa palavra indica, basicamente, que autoridades de alguns países — dos Estados Unidos e Europa, sobretudo — estão apurando se essas empresas adotam práticas anticompetitivas.Mas o que exatamente isso quer dizer? Do que essas gigantes são acusadas? E por quem? É o que você descobrirá nas próximas linhas.
Vários países têm leis antitruste, alguns com mais rigor, outros com menos. Mas, em todos os casos, o objetivo desse tipo de legislação se resume a impedir que uma organização dificulte ou mesmo impeça a concorrência nos segmentos em que atua. Isso pode acontecer, por exemplo, quando uma empresa se junta a um rival para formar uma companhia muito maior que os concorrentes que sobraram.
Nessas circunstâncias, a nova organização passa a ter um domínio tão amplo do mercado que ela pode impor preços, por exemplo. Essa é uma das razões pelas quais fusões ou aquisições devem ser aprovadas por órgãos reguladores — no Brasil, esse trabalho é feito pelo Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica).
Você pode estar se perguntando, porém, qual a relação da Apple, do Facebook e do Google com esse assunto, afinal, essas companhias não se fundiram, assim como não tiveram grandes aquisições barradas por órgãos reguladores.
Bom, essas companhias são big techs, isto é, empresas de tecnologia com grande domínio do mercado. É fácil compreender isso: o iPhone faz a Apple ser uma das maiores marcas de celulares do planeta; grande parte das buscas online é feita no Google; o Facebook responde pelas maiores redes sociais do mundo.
Não há demérito em liderar o mercado. O problema é quando uma empresa usa a sua posição dominante para sufocar a concorrência. No entendimento de autoridades dos Estados Unidos, União Europeia e outros países, é isso o que as três big techs vêm fazendo.
Vamos dar uma olhada em cada um dos casos.
O caso da Apple envolve a App Store. Como você sabe, essa é a loja de aplicativos para iPhone e iPad da empresa. Qualquer desenvolvedor pode disponibilizar o seu software ali, desde que siga as condições da plataforma.
Uma delas é a regra “70/30”, que determina que a Apple fique com até 30% do valor de compras ou assinaturas feitas pelo usuário em um aplicativo distribuído via App Store. Embora seja razoável a companhia receber alguma remuneração por manter a loja, há empresas que consideram essa proporção abusiva.
Um exemplo vem do Spotify. Em 2019, a companhia se queixou de que a “taxa Apple”, como a cobrança às vezes é chamada, aumenta artificialmente o preço de seu plano Premium se repassada para o assinante, o que deixa o serviço em desvantagem em relação à plataforma rival Apple Music (que, por pertencer à própria Apple, não é submetida à cobrança).
Outro exemplo, mais marcante, envolve a Epic Games. Por não concordar com os 30% cobrados pela Apple, a companhia implementou um sistema de pagamento próprio dentro de Fortnite, uma prática que viola as regras da App Store. Como consequência, o jogo foi banido da loja e a briga Epic versus Apple foi parar nos tribunais dos Estados Unidos.
Queixas como essas levaram a Comissão Federal de Comércio (FTC, na sigla em inglês) e o Departamento de Justiça dos Estados Unidos a investigar possíveis práticas monopolistas da Apple.
As reclamações por práticas anticompetitivas por big techs são tão numerosas que, em meados de 2020, o Comitê Antitruste do congresso americano ouviu os CEOs da Amazon, Apple, Facebook e Google. Em defesa de sua empresa, Tim Cook negou existir favorecimento de aplicativos na App Store.
Quando questionado sobre a falta de alternativas à App Store no iOS, o executivo disse que os desenvolvedores insatisfeitos com a loja podem lançar aplicativos em plataformas como Android, Windows, Xbox ou PlayStation.
Mas é na Europa que as investigações antitruste contra a companhia têm ganhado força. A Comissão Europeia acusa a Apple de violar as regras de concorrência com as políticas da sua loja de aplicativos.
Pressionada, a Apple anunciou, em agosto de 2021, uma flexibilização da regra que restringe pagamentos fora da App Store. No mês seguinte, outra flexibilização foi anunciada: a partir de 2022, a loja vai permitir que desenvolvedores de determinados aplicativos incluam links para que o usuário faça assinaturas fora deles (hoje, isso não é possível).
Mas os advogados da Apple ainda podem ter muito trabalho pela frente. A Comissão Europeia abriu, no começo de 2022, um processo antitruste relacionado ao Apple Pay por esse ser o único serviço de pagamento que pode usar o chip NFC do iPhone.
Também pesa contra a Apple uma investigação antitruste no Japão.
“As ações do Facebook para reforçar e manter o seu monopólio negam aos consumidores o benefício da competição”. É com esse argumento que a FTC e procuradores-gerais de vários estados americanos levaram o Facebook aos tribunais, no final de 2020.
O Facebook foi acusado de comprar serviços rivais (Instagram e WhatsApp, basicamente) para monopolizar as mídias sociais e, ainda para esse fim, “destruir” os competidores que não pôde adquirir.
Além disso, as autoridades afirmam que, a desenvolvedores interessados em criar interações com o Facebook, a companhia impôs condições para evitar que serviços rivais sejam promovidos nessas aplicações.
Com base nesses argumentos, a FTC pediu que o Facebook fosse dissolvido de forma a tornar o Instagram e o WhatsApp — plataformas adquiridas em 2012 e 2014, respectivamente — serviços independentes.
Porém, em junho de 2021, a justiça dos Estados Unidos rejeitou as queixas por entender que a FTC e os procuradores-gerais não apresentaram provas suficientes de que o Facebook tem um monopólio. Aparentemente, a alegação do Facebook de que a própria FTC deu sinal verde para as aquisições do Instagram e WhatsApp teve um peso importante para essa decisão.
De todo modo, essa disputa não terminou. Em agosto de 2021, a FTC apresentou uma ação para reverter a decisão anterior. No início de outubro, o Facebook pediu a rejeição do processo sob o argumento de que, novamente, a entidade não apresentou provas suficientes. O caso deve ser analisado em novembro.
Reguladores europeus também estão de olho no Facebook. A Comissão Europeia e autoridades do Reino Unido estão preocupadas principalmente com a suspeita de que a companhia teria usado dados de anunciantes de sua plataforma para competir com eles em segmentos nos quais o Facebook atua.
Em 2020, o Google se deparou não com um, mas com três processos antitruste nos Estados Unidos. O fato de a empresa ocupar posições dominantes em vários mercados explica esse número.
A primeira ação, aberta pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos junto a 11 procuradores-gerais estaduais, acusa o Google de adotar táticas desleais para evitar o avanço de buscadores rivais e, assim, ter mais receita com o mercado de publicidade online.
Isso estaria sendo feito, por exemplo, por meio de pagamentos periódicos à Apple para o Google ser o buscador padrão em iPhones, iPads e Macs. Estima-se que, só em 2021, o Google desembolse US$ 15 bilhões para manter esse acordo.
Apresentado em 16 de dezembro de 2020, o segundo processo envolve procuradores-gerais de dez estados americanos. A ação, movida em um tribunal do Texas, acusa o Google de usar a sua liderança no mercado de publicidade online para manipular preços de anúncios e, com isso, prejudicar a concorrência.
Um dia depois, o terceiro processo veio à tona. A ação envolve mais de 30 estados americanos e também acusa o Google de recorrer a artifícios anticompetitivos para manter a liderança absoluta no segmento de buscas.
No terceiro processo, a companhia é acusada, por exemplo, de priorizar os seus próprios serviços nas pesquisas em detrimento de plataformas como Yelp (pesquisa de estabelecimentos comerciais), Tripadvisor (pesquisa de viagens) e Kayak (também de viagens).
Com relação ao primeiro processo, a defesa do Google alega que não há nada de errado com os acordos estabelecidos com outras empresas porque os usuários podem, a qualquer momento, alterar o mecanismo de busca padrão de seus dispositivos.
Sobre os demais processos, a companhia soltou uma nota, ainda em dezembro de 2020, em que ressalta que o seu buscador foi projetado para fornecer os resultados mais relevantes e que os usuários têm várias alternativas a um clique de distância, como Amazon, Expedia, Tripadvisor e outros.
Além disso, o Google afirma que o “escrutínio de grandes empresas é importante” e que está disposto a responder aos questionamentos, mas, ao mesmo tempo, alerta que o usuário pode ser afetado: “esse processo visa redesenhar a busca de forma a privar os americanos de informações úteis e prejudicar a opção de empresas se conectarem diretamente com consumidores”.
Esses são apenas alguns episódios de uma novela com muitos capítulos. Se olharmos para 2018, por exemplo, veremos que, em julho daquele ano, a Comissão Europeia multou o Google em 4,3 bilhões de euros por entender que a companhia “forçou” fabricantes a incluírem o seu buscador e o Chrome em aparelhos Android.
A notícia sobre essa multa veio à tona recentemente porque, no final de setembro de 2021, o Google pediu aos juízes que analisam o caso que o valor seja recalculado. A companhia afirma que nunca teve a intenção de prejudicar rivais, razão pela qual considera o montante de 4,3 bilhões de euros desproporcional.
Essa é uma das três multas relacionadas a práticas anticompetitivas que o Google recebeu da Comissão Europeia desde 2015.
Talvez a companhia consiga suavizar a punição mais recente, mas não estará livre do rigor da Comissão Europeia: em junho de 2021, a entidade abriu outra investigação antitruste contra o Google, esta com o objetivo de descobrir se a empresa usou o seu ecossistema de anúncios online para favorecer os seus próprios serviços em detrimento de plataformas rivais.
Observe como essa história ainda pode ir longe. Em outubro de 2021, a Justiça dos Estados Unidos determinou a divulgação de documentos relacionados às investigações antitruste sobre o Google no mercado de publicidade online.
Vários detalhes escandalosos se tornaram públicos a partir daí. Um deles — talvez o mais impressionante — é um suposto acordo fechado entre Google e Facebook que seria chamado internamente de “Jedi Blue”.
As investigações apontam que o Google estaria preocupado com o avanço dos serviços de header bidding, que permitem que sites veiculem anúncios por meio de um leilão que envolve várias redes de publicidade.
Para se proteger desse avanço, o Google teria solicitado ao Facebook que não aderisse ao método header bidding. Em troca, a companhia comandada por Mark Zuckerberg receberia cotas de anúncios para serem veiculados com preços mínimos. Esse é o suposto acordo “Jedi Blue”.
Essas e outras “manobras” permitem ao Google ter amplo controle sobre o mercado de publicidade online, inclusive no que diz respeito a preços, entendem as autoridades.
A companhia nega as irregularidades. Em nota à imprensa, Peter Schottenfels, porta-voz do Google, declarou: “esse processo está repleto de imprecisões e nossas taxas de tecnologia de anúncios são, na verdade, mais baixas do que a média do setor”.
As investigações anticompetitivas relacionadas às big techs são numerosas e complexas. Por isso, cada um dos processos pode ter um desfecho diferente. A empresa acusada pode ter que pagar multa, separar os seus negócios ou promover ajustes para tornar as suas operações adequadas à leis antitruste.
Mas, no longo prazo, os processos podem resultar em mudanças que afetam todo o mercado. As várias esferas do governo dos Estados Unidos já consideram implementar reformas ou novas leis para barrar o excesso de poder das big techs. Um exemplo vem do presidente Joe Biden, que assinou, em julho de 2021, um decreto pró-competitividade.
Na Europa, a regulamentação antitruste é bastante rigorosa, mas, pelo menos desde 2020, a Comissão Europeia trabalha para tornar a sua legislação ainda mais criteriosa, justamente para conter o domínio das big techs.
Atualizado pela última vez em 18 de janeiro de 2022.