Uber é multada em R$ 1 milhão por “ferir dignidades humanas” de motorista

Pedro Knoth
• Atualizado há 3 anos

O Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região reconheceu o vínculo empregatício entre um motorista da Uber e a plataforma de corridas por aplicativo. Ao entender que o funcionário cria uma relação de dependência com a empresa, que tem total controle e poder de decisão e fiscalizador, a 8ª Turma do TRT-4 condenou a Uber a indenizar a vítima em R$ 1 milhão por danos sociais.

O motorista entrou na Justiça contra a Uber por alegar ter sido dispensado pela empresa sem justa causa. Diante disso, o autônomo pediu ao TRT-4 que reconhecesse o elo trabalhista com a plataforma, além de exigir o pagamento de uma indenização por ter sido bloqueado do aplicativo.

O pedido do motorista foi julgado como improcedente na primeira instância. Mas na segunda instância, a 8ª Turma deu procedência ao recurso interpelado pelo motorista. Relator do caso no tribunal, o desembargador Marcelo Ferlin D’Ambroso, ressaltou que a diferença entre o trabalhador autônomo e o funcionário assalariado com vínculo se dá pela ausência de subordinação e pela não eventualidade do serviço prestado.

Gasto próprio do motorista não afasta vínculo

A decisão da primeira instância reconheceu a não eventualidade entre o motorista e a Uber, mas alegou que não havia subordinação na relação de trabalho, por considerá-la “frágil”, já que o autônomo no caso é avaliado por passageiros, e não pela plataforma.

Contudo, Ferlin D’Ambroso reavaliou o aspecto de subordinação: para o magistrado, as atividades do motorista reforçam o objetivo social da Uber, o que configura como vínculo empregatício. O fato do trabalhado usar dinheiro do próprio bolso para gastos com gasolina e veículo não atesta a qualquer relação de independência entre autônomo e a empresa, porque tais condições seriam impostas pela Uber.

A empresa também é responsável por remunerar o trabalho do motoristas. Cabe à Uber também determinar quem pode ou não se cadastrar na plataforma, por quanto tempo a pessoa pode dirigir e, por fim, se ela pode ou não ser banida; a Uber inclusive escolhe os motivos pelo qual pode suspender o autônomo.

Magistrado do TRT-4 critica “uberização”

O desembargador pontuou ainda que a chamada “uberização” do trabalho — que não por acaso inclui o nome da empresa, diz Ferlin D’Ambroso — mantém os mesmos elementos que compõem uma relação de emprego normal, apesar de se passar pretensamente por uma relação de trabalho que coloca o empregador na posição de “autônomo” ou “microempreendedor”.

Ferlin D’Ambroso, magistrado do TRT-4, escreve na decisão:

Portanto, só o que muda é a máscara, a fraude emprestada e aperfeiçoada pelo algoritmo que tenta (e muitas vezes com sucesso), confundir as pessoas para elidir o respeito aos Direitos Humanos do Trabalho e descumprir a legislação social. Obviamente, a forma de prestação de serviços não desnatura a essência da relação de emprego, fundada na exploração de trabalho por conta alheia, pois os meios de produção continuam na propriedade da plataforma. Por outras palavras, não há nada de novo nisso, a não ser o novo método fraudulento de engenharia informática para mascarar a relação de emprego.

Uber feriu dignidades humanas do motorista

O magistrado conclui que também foi praticado pela Uber a prática de dumping social — motivo pelo qual a empresa deve pagar a indenização de R$ 1 milhão, multa que será revertida a uma instituição filantrópica escolhida pelo Ministério Público do Trabalho (MPT). Ferlin D’Ambroso aponta que a Uber faltou com a dignidade humana do trabalhador, na tentativa de reduzir significantemente os custos de produção. Isso gerou o que o magistrado chama de “concorrência ilegal”.

A decisão do TRT da 4ª região de reconhecer o vínculo trabalhista entre a Uber e um de seus motoristas vai ao encontro às falas da presidente do TST (Tribunal Superior do Trabalho), Maria Cristina Peduzzi. Ela, em entrevista ao UOL, defendeu que autônomos cadastrados nas plataformas da empresa — mas também na de outros serviços por aplicativo, como iFood e 99 — podem recorrer à Justiça caso se sintam lesados. A ministra também defendeu que esses trabalhadores têm direitos mínimos.

Ao Tecnoblog, o Uber enviou o seguinte posicionamento acerca da decisão do TRT-4:

A Uber esclarece que não teve acesso à decisão mencionada pelo site Conjur, uma vez que nenhum acórdão havia sido publicado pelo TRT da 4ª Região no momento da reportagem, portanto causa estranheza que o documento tenha sido divulgado à imprensa antes de ser cumprido o rito jurídico de dar ciência às partes sobre o resultado de um processo judicial.

Considerando ser verdadeiro o conteúdo mencionado, assim que tiver ciência a empresa irá recorrer da decisão, que representa um entendimento isolado e contrário ao de outros casos já julgados pelo próprio Tribunal Regional e pelo TST (Tribunal Superior do Trabalho) – o mais recente deles no mês de maio.

Ao recusar acordo firmado entre as partes, a 8ª Turma passa por cima da vontade expressa de seus jurisdicionados e desconsidera completamente a diretriz da Justiça do Trabalho de preferência pela solução consensual de conflitos. O recurso da Uber também apresentará todos os fatos necessários para a anulação da autuação, aplicada pela Turma sem que houvesse nenhum pedido no processo e baseada em argumentação aparentemente de cunho ideológico. Em contraste à opinião manifestada pelo relator, desde que chegou ao país a plataforma da Uber intermediou viagens que resultaram em R$ 68,4 bilhões em renda para motoristas e entregadores parceiros, além de ter recolhido mais de R$ 4,2 bilhões em tributos aos cofres públicos.

Nos últimos anos, as diversas instâncias da Justiça do Trabalho vêm construindo sólida jurisprudência confirmando o fato de não haver relação de emprego entre a Uber e os motoristas parceiros, apontando a inexistência de onerosidade, habitualidade, pessoalidade e subordinação, requisitos que configurariam o vínculo empregatício. Em todo o país, já são mais de 1.270 decisões de Tribunais Regionais e Varas do Trabalho neste sentido, sendo que não há nenhuma decisão consolidada que determine o registro de motorista parceiro como empregado da Uber.

Sobre o vínculo empregatício com motoristas, a Uber diz:

Os motoristas parceiros não são empregados e nem prestam serviço à Uber: eles são profissionais independentes que contratam a tecnologia de intermediação digital oferecida pela empresa por meio do aplicativo. Os motoristas escolhem livremente os dias e horários de uso do aplicativo, se aceitam ou não viagens e, mesmo depois disso, ainda existe a possibilidade de cancelamento. Não existem metas a serem cumpridas, não se exige número mínimo de viagens, não existe chefe para supervisionar o serviço, não há obrigação de exclusividade na contratação da empresa e não existe determinação de cumprimento de jornada mínima.

O TST já reconheceu, em quatro julgamentos, que não existe vínculo de emprego entre a Uber e os parceiros. No mais recente, a 5ª Turma afastou a hipótese de subordinação na relação do motorista com a empresa uma vez que ele pode “ligar e desligar o aplicativo na hora que bem quisesse” e “se colocar à disposição, ao mesmo tempo, para quantos aplicativos de viagem desejasse”.

Em março, a 4ª Turma decidiu de forma unânime que o uso do aplicativo não configura vínculo pois existe “autonomia ampla do motorista para escolher dia, horário e forma de trabalhar, podendo desligar o aplicativo a qualquer momento e pelo tempo que entender necessário, sem nenhuma vinculação a metas determinadas pela Uber”.

Entendimento semelhante já foi adotado em outros dois julgamentos do TST em 2020, em fevereiro e em setembro, e também pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamentos desde 2019 – o mais recente foi publicado há algumas semanas.

Com informações: Consultor Jurídico

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Pedro Knoth

Pedro Knoth

Ex-autor

Pedro Knoth é jornalista e cursa pós-graduação em jornalismo investigativo pelo IDP, de Brasília. Foi autor no Tecnoblog cobrindo assuntos relacionados à legislação, empresas de tecnologia, dados e finanças entre 2021 e 2022. É usuário ávido de iPhone e Mac, e também estuda Python.