E se eu te contar que o PL das Fake News não tenta definir o que são fake news?
Projeto de lei é muito associado à censura nas redes sociais, mas especialistas apontam que o texto não tem esse viés
Projeto de lei é muito associado à censura nas redes sociais, mas especialistas apontam que o texto não tem esse viés
Fake news. Desinformação. Falso, verdadeiro ou exagerado. Já há todo um vocabulário para lidar com a checagem de fatos na internet. Em meio aos constantes debates sobre informações falsas circulando em redes sociais e aplicativos de mensagens, criá-lo tornou-se uma necessidade.
Outra necessidade é criar maneiras oficiais de lidar com esse problema. No âmbito da legislação, o PL das Fake News – ou Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet – nasceu com esse objetivo. Mas a criação de uma lei para punir a difusão de fake news levanta questões sérias. Pra começo de conversa: o que estamos chamando de desinformação?
Não é difícil perceber os potenciais estragos de uma definição ruim. Talvez por isso seja comum a associação do referido projeto de lei à censura. Aqueles com poder para definir o que são fake news teriam nas mãos uma ferramenta para tolher os discursos na internet.
Mas aqui entra a grande reviravolta dessa história: o PL das Fake News não tenta estipular o que são fake news.
Após sua aprovação no Senado, o PL 2630/2020 (nome técnico do PL das Fake News) foi para a Câmara dos Deputados. Lá, o texto passou por uma série de modificações, resultado de um maior debate com a sociedade civil e a academia. O resultado é uma proposta que se afasta bastante de sua ideia inicial.
Especialistas consideram a versão aprovada no Senado excessivamente punitivista. Tipificar “desinformação”, além de um tanto complexo, dificilmente acabaria com o problema. Na Câmara, a proposta mudou de escopo e passou a propor uma série de mecanismos para regular de modo mais geral as empresas de rede social, buscadores e aplicativos de mensagens.
Ao levantar mudanças mais fundamentais nas plataformas, a ideia do combate à desinformação muda de figura. Agora, o problema pode ser atacado por outros meios, como a criação de atritos para encaminhamentos de mensagens, por exemplo (lembra da polêmica dos disparos em massa na eleição de 2018? Pois é.).
Outro ponto interessante nesse sentido é a exigência de relatórios semestrais por parte das empresas, onde constariam diversas informações. Uma delas é a quantidade de contas automatizadas, os famosos bots – muito utilizados, inclusive, para espalhar informação falsa.
Mais do que a desinformação, o projeto de lei agora se ampara na transparência. Ao exigir mais contrapartidas das plataformas, o PL das Fake News tenta criar um ambiente onde elas estarão, em tese, mais sujeitas a questionamentos por parte dos usuários.
Victor Durigan, Coordenador de Relações Institucionais do Instituto Vero e integrante da Coalizão Direitos na Rede, reforça ao Tecnocast que o projeto de lei não trabalhar a partir de um conceito fechado de desinformação.
Ele (o PL 2630) não traz nenhuma definição de desinformação, justamente porque não existe uma definição de desinformação pacífica no mundo todo. Ou seja: não há que se falar de um “tribunal da verdade” na internet. Isso sequer é mencionado no projeto de lei.
Ou seja, a própria dificuldade de definição fez com que a tentativa de tipificação fosse deixada de lado. E isso é positivo, já que uma tipificação abriria portas para que pessoas que compartilham conteúdos falsos sem saber acabassem punidas.
Na opinião de Durigan, a versão mais atual do PL serve para proteger os direitos de expressão do usuário. Isso porque as plataformas terão de ser mais claras a respeito do que é permitido ou não em seus espaços.
Lembra dos relatórios semestrais? Uma das informações exigidas é o número total de medidas aplicadas a contas e conteúdos em razão dos termos e políticas de uso. Ou seja, a rede social teria de informar regularmente quem está sendo punido, e por quais desvios. E os usuários também poderão recorrer dessas punições caso interpretem que elas não refletem de fato o que está definido na política das plataformas, inclusive na esfera jurídica.
O resultado seria um contexto em que o discurso estaria mais protegido, pois as ações das plataformas estariam abertas ao exame público. Haveria menos chances para decisões subjetivas, ou pior, arbitrárias.
Isso tudo, é claro, ainda precisa passar pelo teste da realidade. Nesse sentido, o PL ainda precisa ser aprovado e se transformar, de fato, em lei. O que pode ser dito de objetivo, no entanto, é que o PL das Fake News deixou de ser só isso. Talvez fosse mais apropriado, segundo Durigan, chamá-lo de PL da regulação das plataformas.