Por dentro dos prédios ao redor do mundo onde nascem os produtos da Samsung
Uma visita aos centros de design, laboratórios de teste e fábricas automatizadas da Samsung no Vale do Silício e na Coreia do Sul
Uma visita aos centros de design, laboratórios de teste e fábricas automatizadas da Samsung no Vale do Silício e na Coreia do Sul
Direto do planeta Terra — 320 mil funcionários, 39 fábricas e 35 centros de pesquisa e desenvolvimento são de uma empresa cujas vendas representam 15% do PIB da Coreia do Sul. Todas essas pessoas e instalações não poderiam ficar concentradas em uma cidade, país ou continente: a Samsung tem empregados em 73 países ao redor do mundo.
Desses países, dois se destacam. O primeiro é a Coreia do Sul, onde a empresa nasceu e comanda suas operações globais. Mas também há prédios tão estratégicos quanto os coreanos nos Estados Unidos. Mais especificamente no Vale do Silício, onde boa parte dos produtos, das pesquisas e dos negócios são feitos.
Como é a rotina nos escritórios mais importantes da Samsung no mundo? E como o seu smartphone, processador, máquina de lavar, refrigerador, ar-condicionado ou qualquer outro eletrônico foi criado? Eu viajei durante uma semana para conhecer os centros de design, laboratórios de teste e uma fábrica automatizada da Samsung ao redor do mundo e conto os detalhes a seguir.
Embora seja uma empresa coreana, a operação da Samsung não fica concentrada nos arredores de Seul. Na verdade, uma fatia importante dos produtos nasce em pranchetas no Vale do Silício, em cidades californianas que são mais conhecidas por abrigar os quartéis-generais do Google, Facebook ou Apple, mas que também recebem um tempero coreano.
Um dos maiores prédios está em San José, a 10 km de onde a Apple realiza sua conferência anual para desenvolvedores. Nos dez andares do Samsung@First ficam os funcionários que pesquisam e criam soluções relacionadas a telas, processadores, memórias e outros componentes. O local é estratégico porque, além de estar próximo a grandes clientes corporativos, possui uma farta mão de obra qualificada, vindo de universidades como Berkeley e Stanford, para citar as mais famosas.
Além das planilhas confidenciais abertas nos computadores com Windows (e algum Ubuntu perdido ali no meio), a torre coberta com painéis solares tem uma academia de ginástica, hortas com plantações que ainda estão nascendo e uma competição entre funcionários para ver quem faz a abóbora mais legal para o Halloween (por que não?). Nas 700 cadeiras do prédio anexo, dá para tomar café da manhã, almoçar ou jantar comida americana, coreana ou, “uma ou duas vezes por ano”, brasileira.
Em Menlo Park, não muito longe da sede do Facebook, está o Samsung Strategy and Innovation Center (SSIC), que respira startups. O braço participa de rodadas de investimento em áreas como mobilidade, saúde e inteligência artificial. Uma parte das companhias continua independente; outra é adquirida e incorporada aos produtos da marca. Não se trata do único departamento do tipo: o Samsung Venture Investment e o Samsung Next, em Mountain View, também fazem esse trabalho.
Os destaques entre as aquisições ficam por conta da Viv, que desenvolveu a Siri e foi um dos pilares para a construção da assistente pessoal Bixby; e da SmartThings, que se transformou em uma plataforma aberta para casas conectadas. Também saiu desses escritórios a compra bilionária da Harman, a maior da história da Samsung, para fortalecer a presença da empresa no setor automotivo (e ainda pegar emprestado um pouco da experiência das marcas AKG e JBL no mercado de áudio).
Muitas dessas startups precisam de um longo tempo até se integrarem ao ecossistema da Samsung. E, mesmo depois de integradas, parece que elas não estão prontas, a exemplo da Bixby. Um andar abaixo do Samsung Next, no prédio da Samsung Research America (SRA), o vice-presidente sênior de pesquisa de inteligência artificial Larry Heck reconhece que “a IA é ótima quando funciona, mas nem sempre funciona”.
“Uma das coisas mais importantes para que os motores de busca dessem certo e tivessem rápida adoção foi que, sempre que alguém digitava algo, ele retornava resultados”, diz Heck. “Isso nem sempre acontece com os assistentes pessoais”, completa. A solução pode estar em uma inteligência artificial colaborativa, em que os próprios usuários podem ajudar a criar a tecnologia.
Talvez uma assistente pessoal não nasça sabendo o que fazer quando você pede para ela “comprar ingressos na fileira de trás para Guardiões da Galáxia”, por exemplo. Mas, se a Bixby perguntar “eu não sei o que quer dizer com fileiras de trás, você se importaria em selecionar os assentos?” e você fizer isso, os próximos usuários não terão o mesmo problema. Este pode ser um passo importante para a Samsung atingir a meta de ter inteligência artificial em todos os seus produtos até 2020.
Alguns dos gadgets mais conhecidos da marca nasceram entre as ladeiras de San Francisco, no Samsung Design Innovation Center (SDIC), onde trabalham 35 pessoas. Entre os muitos protótipos que não pude fotografar por motivos óbvios, havia produtos finalizados como a pulseira fitness Gear Fit, com sua grande tela AMOLED curvada; os pequenos fones de ouvido Gear IconX, totalmente sem fio; e o enorme tablet Galaxy View, de 18,4 polegadas.
Antes de esses produtos chegarem ao mercado, os designers pegaram as pranchetas, testaram materiais e colocaram os desenhos em uma impressora 3D da Stratasys no subsolo do prédio. Esse último processo, que consome cartuchos de plástico de milhares de dólares, é o mais rápido, mas pode levar um dia inteiro ou mais. Ainda assim, o designer industrial sênior Jeffrey B. Jones lembra aliviado que isso é melhor do que antigamente, quando era preciso cortar, lixar e polir à mão.
Há vários detalhes que não pensamos quando vemos algo pronto. Por exemplo, qual deveria ser o design de um produto que entra no ouvido? Cada orelha é diferente da outra, por isso, um Gear IconX precisa ser desenhado de forma a ser confortável para o maior número de pessoas possível.
Tem ainda o caso do Galaxy View: quem compraria um tablet tão absurdamente grande? Para quê? (Para consumir conteúdo em qualquer cômodo da casa em um gadget portátil, mas sem sacrificar tanto a experiência de imagem e som em relação à TV gigante da sala de estar.)
Nesse sentido, os Estados Unidos funcionam como um bom laboratório de testes para as criações da fabricante: tem muita gente, tem muita gente disposta a experimentar algo novo e tem muita gente com poder aquisitivo para comprar esse algo novo. Um dos protótipos do Galaxy View tinha corpo de metal, acabamento sofisticado e uma cor vermelha lindona, mas poderia custar US$ 10 mil. O produto final foi vendido a US$ 599 e deve ganhar uma segunda geração em breve.
A cidade de Suwon, a cerca de 30 km de Seul (e uma hora com o impressionante congestionamento das avenidas coreanas), é dominada pelo complexo de instalações da Samsung, chamado de Samsung Digital City. É ali que a divisão de eletrônicos nasceu em 1969. Também é ali que uma parte que não damos muita atenção também nasce: o som dos produtos.
O som que um micro-ondas emite não é o mesmo de uma máquina de lavar. O primeiro é um equipamento de cozinha que precisa de atenção e está próximo do usuário — os alertas podem ser curtos e diretos. Já no caso da segunda, ninguém precisa correr até uma lava e seca quando o trabalho estiver completo (e ela normalmente fica em um canto mais distante da casa). É por isso que as máquinas de lavar tocam uma musiquinha mais longa e feliz, explica o designer sênior de som Myoung Woo Nam.
Nam é um dos cerca de dez envolvidos na criação de sons dentro de um estúdio em Suwon. Ele conta que o design de áudio mudou consideravelmente nos últimos anos: até o Galaxy S III, por exemplo, os sons eram mais inspirados na natureza. É o caso do som que o aparelho emite quando tocamos na tela: no celular de 2012, tratava-se de uma gravação de uma bolha de um suco de laranja. Sim. De laranja. Não poderia ser um copo de leite: a viscosidade é diferente.
Os sons são mais sintéticos nos eletrônicos atuais. A câmera Gear 360, por ser compacta e ter um visual futurista, emite sons mais curtos e robóticos. E, falando em câmera, o barulho que o Galaxy S9 faz quando você pressiona o botão de tirar foto é bastante específico: é o som real do obturador de uma Samsung NX20 capturando uma imagem à exposição de 1/25 segundo. Nam revela que modelos da Sony e Nikon foram testados, mas, puxando sardinha para sua empresa, diz que a NX20 foi a melhor.
Toda fabricante séria tem um desses, mas ainda é torturante ver eletrônicos sendo quase destruídos em um laboratório de testes de resistência. No prédio da Samsung, em Suwon, os celulares são levados ao extremo: são derrubados em placas de concreto, assados como frangos e mergulhados com violência em um aquário. Esses testes são realizados para verificar se há algum problema de durabilidade ou mesmo segurança com o produto, porque Galaxy Note 7 escaldado tem medo de água fria.
A Samsung, que promete ter melhorado seus testes de bateria depois de um dos maiores fiascos do mercado de smartphones, também analisa a durabilidade de botões, portas USB, conectores de fone de ouvido e bandeja do chip da operadora em equipamentos próprios com uma ilustração meio assustadora de uma mão com dedo inchado e jorrando sangue (nem pensem em colocar o braço lá dentro, crianças).
Os botões dos celulares são apertados “centenas de milhares de vezes” em diferentes pressões. Outro robô se encarrega de retirar e inserir a bandeja do cartão de memória com uma velocidade muito mais rápida que minha mão e uma agulhinha. E as capinhas são dobradas e desdobradas repetidamente, o que também explica por que elas custam bem mais caro que as genéricas.
Esses testes são feitos tanto em produtos que já estão no mercado, dependendo das reclamações dos consumidores, quanto em smartphones que ainda serão lançados. Aliás, ninguém quis me confirmar qual era o celular que estava sendo testado em uma das salas do laboratório; ele tinha um visual diferente dos topos de linha atuais e uma cor bem peculiar. Será que eu vi um Galaxy S10?
Mas antes de um smartphone, uma câmera ou uma máquina de lavar nascer, os componentes precisam ser produzidos. E os cérebros de todos eles são feitos de silício, sendo que boa parte sai da fábrica da Samsung Semiconductor na cidade de Hwaseong, ainda mais ao sul de Seul.
O prédio passa uma sensação diferente de todos os outros porque, logo na entrada, estava dando boas-vindas a duas empresas que visitariam o local naquele dia: a LG e a Oppo. Sim, elas são concorrentes da Samsung Mobile e provavelmente não seriam bem recebidas nos escritórios de design ou centros de pesquisa e desenvolvimento da companhia. Mas são clientes importantes da divisão de semicondutores — que cresceu para tirar uma liderança de mais de duas décadas da poderosa Intel.
E, como nos outros escritórios da Samsung, há muitos humanos no local. Só que pouquíssimos ficam dentro da linha de produção. Isso porque ela é totalmente automatizada para funcionar 24 horas por dia, 7 dias por semana. O local não pode ser fotografado, mas pode ser descrito: pense em salas que, juntas, dariam um campo de futebol. Só que, em vez de 22 jogadores, não podem ser vistos mais que quatro ou cinco funcionários. Todos passaram por banhos de jatos de ar antes de entrarem ali.
Em vez de grama e terra, o chão é branco e extremamente limpo, porque um único grão de poeira pode afetar a qualidade de um wafer de silício. E um humano solitário que estiver lá dentro não encontrará um céu azul ao olhar para cima: verá centenas de robôs percorrendo uma estrutura de trilhos mais complexa que o metrô de Seul, retirando e entregando matéria-prima em diversos pontos espalhados pelo andar.
Na última etapa da jornada ao redor do mundo, depois de 28 horas de voo (e mais 24 pela frente), foi viciante e relaxante ver os robôs funcionando por meio de um observatório no topo ao andar — eles pareciam até ter vida própria. É curioso e assustador pensar que, se um deles demorasse cinco segundos a mais para percorrer um trilho, isso poderia afetar toda a cadeia de produção de semicondutores. E, em última instância, o mercado de tecnologia.
Eu ficaria ali olhando por dias, mas a única palavra que consegui aprender para sobreviver foi kamsahamnida.
Paulo Higa viajou para os Estados Unidos e a Coreia do Sul a convite da Samsung.
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