Claro, não diga que sua internet via cabo é de fibra óptica (porque não é)

Operadora foi condenada na Justiça por propaganda enganosa sobre o uso do termo "fibra"; Claro até possui banda larga 100% fibra óptica, mas em poucos locais

Lucas Braga
• Atualizado há 1 ano e 7 meses
Claro, cabo de internet e fibra óptica
Claro, não diga que sua internet via cabo é de fibra óptica (Imagem: Guilherme Reis / Tecnoblog)

Eu recebo (com uma constância maior do que deveria) diversas ligações da Claro com ofertas do serviço de banda larga. Mas tem algo que me incomoda mais do que a chamada de spam: a forma como a operadora divulga seu serviço de internet fixa, anunciando que ele é “com fibra” mesmo quando a instalação na casa do cliente é feita apenas com cabos coaxiais. Isso chamou a atenção até do Ministério Público, que fez a empresa ser condenada a pagar R$ 600 mil em danos morais.

São diversas as campanhas publicitárias da Claro que exaltam uma banda larga de qualidade, estável e “com fibra”. Com isso, muitas pessoas interpretam que o serviço da tele utiliza a mesma tecnologia da Vivo Fibra, Oi Fibra e diversos provedores locais, que levam a fibra óptica de verdade até dentro da casa do cliente.

A situação fica mais complexa quando se leva em conta que a Claro também tem um serviço de internet com tecnologia de fibra óptica até dentro de casa, mas ele está presente em poucos lugares. No terceiro trimestre de 2021, a rede fixa da Claro estava disponível para 34,3 milhões de domicílios brasileiros, mas apenas 2,8 milhões dessas casas estavam aptas a contratar a internet com fibra óptica de verdade.

“Com fibra” é internet de fibra?

O padrão que a Claro utiliza na internet via cabo é o DOCSIS, que funciona através de uma rede com infraestrutura HFC – sigla para Hybrid Fiber Coax, algo como rede híbrida de fibra com cabos coaxiais. Na prática a fibra vai até o concentrador de rede (node), que depois distribui os sinais para as casas dos assinantes através de cabos de cobre.

Letras miúdas de anúncio da Claro diz que rede “pode ser híbrida, composta por cabo e fibra” (Imagem: Reprodução)

Se a internet via cabo realmente pudesse ser considerada como fibra, então isso também valeria para praticamente todas as modalidades de internet:

  • meu smartphone está conectado na antena da operadora via 4G, a fibra chega na torre e meu tráfego de dados é escoado através de cabos ópticos;
  • banda larga com tecnologia ADSL, que usa par metálico telefônico? A fibra chega até o armário da operadora;
  • internet via rádio? O acesso é sem fio até o provedor, e depois o tráfego continua por fibra óptica;
  • um usuário de internet via satélite tem uma parabólica instalada em casa, o sinal vai até o espaço, retorna na base terrestre e de lá a saída é feita por fibra.

Operadoras de outros países também consideram acessos de cabo coaxial como “fibra”, mas penso que isso não deveria trazer legitimidade para a propaganda potencialmente enganosa da Claro e ser referência para o modelo de publicidade de banda larga.

Os Estados Unidos são ótimos em dar nomes errados para as coisas, e basta lembrar da tentativa vergonhosa da tele americana AT&T de renomear a tecnologia LTE para 5GE (5G Evolution). As operadoras de lá fizeram a mesmíssima coisa com o 3G, e rebatizaram o que a gente conhece como 3G+ para 4G.

Cable Modem da banda larga Claro NET Virtua. Foto: Lucas Braga/Tecnoblog
Cable Modem da banda larga Claro NET Virtua. Foto: Lucas Braga/Tecnoblog (Imagem: Lucas Braga/Tecnoblog)

As questionáveis propagandas da internet da Claro

Quem não é entendido do assunto acha que está contratando fibra, quando na prática acesso via cabo coaxial entrega qualidade significativamente inferior em comparação com padrões FTTH (fibra até a residência do cliente).

Em primeiro lugar, as redes de cabos coaxiais sofrem interferências eletromagnéticas, típicas de conexões via cobre. Na fibra óptica a transmissão é feita apenas por luz, o que torna o serviço muito menos suscetível a quedas e interrupções.

Além disso, as conexões da Claro com tecnologia coaxial têm latência maior e velocidade de upload máxima de 35 Mb/s no plano de 1 Gb/s. O mesmo pacote na fibra óptica tem taxa de envio de 500 Mb/s, uma diferença de apenas 14 vezes.

Eu acho incorreto a forma como a Claro faz propaganda do seu serviço. Ao questionar os vendedores de telemarketing sobre a tecnologia, eles dizem que a fibra vai até ao poste (que não necessariamente é o mais próximo da sua casa) e, do poste, segue para sua casa via cabo metálico.

Como disse anteriormente, a Claro também oferece o serviço de fibra óptica pura, mas apenas em algumas localidades específicas. Nessas áreas, a operadora veicula campanhas com os dizeres “100% fibra” em vez de “com fibra”.

O problema é que o departamento de marketing não lida muito bem com isso, e veicula anúncios dos acessos 100% fibra mesmo nas localidades em que a operadora oferece o serviço via cabo. É o caso desse papel de pão, que recebi aqui em Belo Horizonte:

Propaganda da Claro no saco de pão destaca internet 100% fibra em cidade com serviço via cabo (Imagem: Lucas Braga / Tecnoblog)

Se houvesse disponibilidade da fibra óptica de verdade, eu provavelmente teria interesse no serviço da Claro. Via cabo? Quero não.

Justiça condenou Claro por propaganda enganosa

Uma ação civil pública foi aberta pelo MPDFT (Ministério Público do Distrito Federal e Territórios), e a Claro foi condenada em dezembro de 2021 a pagar R$ 600 mil em danos morais coletivos, pela veiculação irregular do serviço de banda larga por fibra óptica.

A perícia do processo constatou que “a tecnologia de fibra óptica mista e de ponta a ponta não entregam ao consumidor os mesmos benefícios, sendo que as redes com tecnologia HFC [via cabo metálico] entregam ao consumidor menos vantagens que as redes com tecnologia FTTH [fibra]”.

Em sua defesa, a Claro alegou que “o alcance da fibra ótica (…) não é um dado essencial para a contratação dos serviços”, e que “o fato de a fibra ótica ir ou não até o interior da residência do consumidor não é determinante à sua decisão de contratar”.

Não parou por aí: a Claro também disse à Justiça que “o que interessa efetivamente ao consumidor é saber o preço dos serviços e a velocidade de conexão à internet banda larga fixa”, e que “qualquer outra informação que não essas não é considerada essencial, a ponto de ter que constar no restrito espaço de um anúncio publicitário”.

Ao meu ver, a argumentação da Claro não faz o menor sentido:

  • se a Claro realmente considera que quaisquer informações além de velocidade e preço não são essenciais em um anúncio, por que ela veicula os dizeres de fibra óptica nas suas propagandas? Não é melhor simplesmente falar “Internet de 250 Mb/s por R$ 99” e pronto?
  • se velocidade é um fator considerado essencial, por que a Claro menciona apenas a taxa de download e omite o upload, que é bem menor no cabo em comparação com a fibra?

No final das contas, o juiz exigiu que a Claro deixe de omitir dados essenciais das propagandas de âmbito nacional, e explicite de forma clara o dado omitido ou a ressalva do alcance da tecnologia de fibra óptica. Caso a operadora descumpra a ordem, deverá pagar multa de R$ 200 mil reais por evento, limitado ao máximo de R$ 20 milhões.

Vale lembrar que essa não é a primeira vez que a Claro foi processada pelo uso irregular do termo “fibra”: em 2019, o MPDFT obteve uma liminar que obrigava a operadora informar corretamente a tecnologia utilizada nos serviços de internet fixa.

Procurada pelo Tecnoblog, a operadora disse em nota:

A Claro foi pioneira no uso de fibra óptica no Brasil e adota arquitetura FTTx, que pode atender com fibra até a casa ou até o bairro ou o condomínio, dependendo da cidade e da demanda de cada região. Em qualquer situação, a Claro entrega velocidades de até 1Gbps, sendo a líder em acessos de ultravelocidade, segundo a Anatel, e a rede de internet fixa mais estável, segundo o Speedtest.

Leia | Como acessar a rede #NET-CLARO-WIFI? Veja se você pode usar de graça

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Lucas Braga

Lucas Braga

Repórter especializado em telecom

Lucas Braga é analista de sistemas que flerta seriamente com o jornalismo de tecnologia. Com mais de 10 anos de experiência na cobertura de telecomunicações, lida com assuntos que envolvem as principais operadoras do Brasil e entidades regulatórias. Seu gosto por viagens o tornou especialista em acumular milhas aéreas.