Como as empresas de tecnologia atuam para preservar o meio ambiente
Da fabricação à remoção do carregador: conheça as medidas adotadas por empresas de tecnologia para preservar o meio ambiente
Da fabricação à remoção do carregador: conheça as medidas adotadas por empresas de tecnologia para preservar o meio ambiente
A Apple atraiu os holofotes para si em outubro: durante o lançamento do iPhone 12, a empresa norte-americana anunciou que seus celulares não seriam mais vendidos com carregador e fone de ouvido na caixa. Um dos motivos? Reduzir a emissão de lixo eletrônico, que alcançou 53,6 milhões de toneladas em 2019, segundo o estudo Global E-waste Monitor 2020, feito pela Organização das Nações Unidas (ONU).
A história, ainda assim, deu o que falar. Enquanto a Apple acredita que a remoção é “o certo a se fazer”, no Brasil, órgãos de defesa do consumidor levantaram questionamentos sobre a decisão. No meio da discussão, algumas perguntas ficam no ar: é certo? É errado? E o que deve ser feito e até onde deve-se ir para proteger a natureza?
Conheça, a seguir, as ações e medidas adotadas pelas empresas de tecnologia para preservar o meio ambiente.
Esta não é a primeira nem a única ação da Apple em busca do selo de empresa sustentável. Em 2018, por exemplo, a companhia apresentou um robô para desmontar 200 iPhones por dia para reciclagem. Além disso, as apostas se concentram até mesmo nos materiais de seus produtos: segundo a Apple, a linha iPhone 12 foi feita com “metais de terras raras 100% reciclados em todos os seus ímãs”.
E é aí que entra a história da remoção do adaptador de tomada e dos fones de ouvido, que começou um pouco antes, no lançamento do Apple Watch Series 6 e SE. “O resultado é uma embalagem menor e mais leve, permitindo 70% mais caixas em cada palete”, explicaram em outubro, em relação aos celulares. “Todas essas mudanças reduzirão dois milhões de toneladas de emissões de carbono por ano, o que equivale a remover cerca de 450.000 veículos das estradas a cada ano”.
Para o Carlos Canejo, mestre em engenharia ambiental, doutor em meio ambiente e professor da Universidade Veiga de Almeida, no entanto, o foco dessa remoção pode estar em outro lugar. “Não me parece que este seja o foco da estratégia proposta pelas empresas, me parece muito mais uma estratégia mercadológica para vender os acessórios do que efetivamente uma preocupação com as questões ambientais”, disse, quando questionado sobre como esta mudança pode ser benéfica para o meio ambiente.
“Outra questão é que estas empresas vendem imagem, poder e status. Logo, um fone que não é da empresa fabricante do celular não te deixa tão descolado”, acrescentou. “Os fabricantes sabem disso e sabem também que você irá querer investir para construir essa imagem, por isso adotam esta estratégia”.
Ainda que a decisão seja global, órgãos de defesa do consumidor do Brasil abriram questionamentos sobre o assunto. É o caso do Senacon, que notificou tanto a Apple quanto outras empresas, como Samsung, Motorola, Xiaomi, LG e Asus, e do Procon-SC. O Procon-SP já foi mais adiante: em dezembro, a fundação disse que ia exigir o fornecimento do carregador para iPhones.
Segundo a advogada Letícia Crivelin, do escritório Assis e Mendes, ao Tecnoblog, “pensando sob a ótica do direito do consumidor, não há inicialmente uma vedação às mudanças adotadas pela empresa pensando em venda casada”, dado que o cabo USB-C ainda acompanha o celular, o que permitiria a recarga, e o fone de ouvido não é essencial para o funcionamento do aparelho. A advogada, ainda assim, chama a atenção para dois pontos com base no Código de Defesa do Consumidor (CDC), que exige informações claras e objetivas e que o fornecedor preze pelo funcionamento correto do produto.
“O consumidor foi corretamente informado sobre as mudanças? E quanto ao adaptador de energia, o uso somente do cabo ou de adaptadores antigos e/ou de outros fabricantes pode impactar o processo de carregamento (tempo) ou a segurança do consumidor?”, questionou. Em comunicado exclusivo ao Tecnoblog, a Apple esclareceu no último dia 5 que a garantia do iPhone não será afetada por carregadores aprovados pela Anatel.
A Apple não é a primeira empresa a remover o carregador e fones de ouvido da caixa, e nem será a última. Da mesma forma, não é a única a destacar a sustentabilidade em seus produtos, uma vez que há até mesmo celulares feitos exclusivamente para este fim.
É o caso da Fairphone, que fabrica “celulares sustentáveis” com materiais reaproveitados, facilmente reparáveis e capazes até mesmo de serem atualizados sem precisar trocar o telefone por inteiro, caso sejam compatíveis. Em outras palavras: se o dono de um Fairphone 3 quiser usar a câmera do sucessor Fairphone 3+, que possui resolução superior, basta adquirir a peça no próprio site da fabricante e trocá-la em casa.
O celular ainda deixa de lado o carregador, fones de ouvido e até mesmo o cabo USB. No lugar, há um acessório inusitado: uma chave de fenda para que o proprietário possa desmontá-lo e montá-lo por conta própria. Além disso, o smartphone é comercializado com dois anos de garantia e permite que o consumidor dê o seu dispositivo antigo em troca de desconto, para que seja devidamente reciclado em seguida.
A Samsung é outra companhia que adota medidas para reduzir o impacto ambiental. Nesse sentido, a empresa criou o Processo de Design Ecológico (Eco-Design), “que abrange o planejamento do produto nos estágios de design e desenvolvimento, permitindo que a companhia possa rastrear seu desempenho em termos de eficiência energética, reciclagem e uso de produtos químicos”, explica o diretor sênior de Customer Service da Samsung Brasil, Luiz Xavier.
O executivo ainda aponta outros exemplos de ações sustentáveis. É o caso do Samsung Galaxy S10, lançado em 2019 com uma embalagem reciclável feita com papel e celulose no lugar do plástico. A companhia sul-coreana ainda adota tecnologias para reduzir o consumo de água e energia em refrigeradores, máquinas de lavar roupas e ar condicionado.
A Motorola também adotou medidas na confecção de suas embalagens a fim de preservar a natureza. “Utilizamos um percentual de material reciclado nas nossas embalagens de transporte (overpacks) e também nas embalagens dos produtos (gift box)”, disse Rodrigo Rosa, head de Service da Motorola. “Não utilizamos material reciclado nos nossos manuais”.
A reciclagem é um processo importante para evitar a produção de lixo. A incidência desse processo, no entanto, é baixa: segundo o Global E-waste Monitor 2020, em 2019, somente 17,4% do lixo eletrônico do mundo foi devidamente recolhido e reciclado. Se levar em consideração a América Latina, a cifra é ainda menor: 0,7%.
As empresas também têm ações próprias para logística reversa. A Apple, por exemplo, possui um programa de reciclagem para produtos da companhia. A Motorola segue no mesmo caminho, ao disponibilizar “urnas para descarte de eletroeletrônicos, incluindo celulares, baterias, carregadores, fones de ouvido e pilhas” nas assistências técnicas espalhadas pelo Brasil, segundo Rosa.
O Programa Re+ é a iniciativa global da Samsung para coletar e reciclar lixo eletrônico. Segundo o diretor Luiz Xavier, a ação consiste em disponibilizar urnas de coleta em lojas da marca e em centros de reparo autorizados para “facilitar e garantir um descarte ambientalmente adequado dos produtos e consequente reaproveitamento dos recursos”. São aceitos desde eletrônicos como celulares, notebooks, baterias e carregadores, até produtos de grande porte, sendo o segundo através de retirada na residência.
“A Samsung promove ainda a coleta e reciclagem de todas as partes e peças danificadas que foram removidas pelos Centros de Serviços Autorizados”, complementou.
Em todos os casos, os itens recolhidos são encaminhados a parceiros das empresas que cuidarão da reciclagem ou descarte desses aparelhos da maneira adequada.
A Asus pretende reciclar 20% de seu lixo eletrônico até 2025. Para isso, no Brasil, a companhia, que é membro da Green Eletron, associação de fabricantes que busca desenvolver “um sistema coletivo de coleta para reciclagem”, conta com o programa Zentroca, ao qual falaremos sobre mais adiante.
Outra forma de coleta e descarte adequado se dá pela troca de produtos antigos por descontos em compras futuras, ação que pode ajudar a preservar o meio ambiente. “Isso é uma prática interessante que leva a um modelo econômico circular”, disse Canejo ao Tecnoblog. “Aquilo que seria descartado vira vantagem e um novo produto”.
O especialista, no entanto, faz uma ressalva em relação a esse modelo. “A questão é saber se o destino destes eletroeletrônicos que retornam às unidades de venda é ambientalmente adequado. Será que estão retornando aos fabricantes? Ou será que estão sendo comercializados como sucatas e descartados sem controle ambiental?”, questiona. “Mas o caminho está correto mesmo, este é um suspiro de esperança para criarmos um modelo econômico circular, baseado na logística reversa de eletroeletrônicos”.
Além de lojas, as próprias fabricantes oferecem descontos em troca de eletrônicos antigos. É o caso do já citado Zentroca que, segundo a Asus, trata-se de um programa no qual o consumidor pode trocar o seu “celular ou notebook usados por um cupom de desconto”; os equipamentos cedidos são levados a empresas recicladoras. As lojas da Motorola também aceitam telefones antigos como parte de pagamento na compra de um smartphone novo.
A Samsung possui um programa próprio também, conhecido como Troca Smart Samsung, para garantir descontos ao oferecer um smartphone, tablet ou smartwatch usado. De acordo com Xavier, o valor do voucher é informado ao consumidor após uma avaliação feita pelo vendedor. “Com relação aos aparelhos cedidos, temos uma empresa parceira que compra e vende smartphones, tablets e smartwatches seminovos, com a garantia de que funcionam como aparelhos novos (exceto para funcionalidades de resistência e à prova de água e/ou poeira)”, explica.
A Apple ainda conta com o Apple Trade In para realizar a troca por créditos em uma nova compra. O programa, no entanto, não está disponível no Brasil.
E não são apenas as fabricantes de eletrônicos que atuam nessa frente. No Brasil, a Vivo conta com o programa de logística reversa, o Recicle com a Vivo, conforme explica executiva de Sustentabilidade da operadora, Joanes Ribas, ao Tecnoblog. Implementado em 2006, a ação oferece coleta adequada de equipamentos eletrônicos para qualquer pessoa, seja ela cliente ou não.
A operadora, que também reaproveita modens e decodificadores em funcionamento, ainda lançou uma campanha em 2020 para conscientizar a sociedade sobre o descarte adequado do lixo eletrônico. Já o Vivo Renova segue o mesmo caminho das fabricantes: trocar celulares antigos por um desconto em uma compra nova. “Os aparelhos em bom estado são recondicionados e comercializados por empresa parceira no mercado de usados”, disse Ribas.
A Claro, Oi e a TIM também disponibilizam pontos de coleta de eletrônicos para descarte em suas lojas, assim como oferecem desconto caso o cliente leve seu telefone antigo. A Oi ainda destaca duas ações para preservar o meio ambiente: a recuperação de aparelhos da Oi TV e o uso de energia limpa na matriz de consumo energético global da operadora, que “passou de 15,8%, em 2018, para 60% ao final de 2020”.
“A meta é alcançar 100% de energia limpa em 2022”, explicam. “Dentro do programa de eficiência energética foi realizada a troca de 240 mil lâmpadas fluorescentes pelas do tipo LED, que tem maior durabilidade e consomem menos energia, em imóveis da companhia em 16 estados”.
Assim como acontece com as fabricantes, os acessórios e aparelhos coletados são reciclados ou descartados por empresas parceiras das operadoras citadas anteriormente.
O lixo eletrônico não para de de crescer. Ainda de acordo com o relatório elaborado pela ONU, de 2014 para 2019, a emissão de lixo eletrônico cresceu 21%. A expectativa é que os números subam de 53,6 milhões de toneladas, no ano passado, para 74,7 milhões de toneladas, em 2030.
A situação na América Latina e no Brasil também não é muito confortável. Ainda que a Ásia seja o continente que mais gerou lixo eletrônico em 2019, com 24,9 milhões de toneladas, a América vem logo em seguida, com 13,1 milhões de toneladas. O nosso país, por sua vez, produziu 2.143 toneladas no ano passado (10,2 kg per capita), líder da América do Sul. A China, por sua vez, é o maior emissor, com 10.129 toneladas (7,2 kg per capita).
Ainda que o Brasil tenha legislações específicas para lixo eletrônico, como a lei 12.305/10, que instituiu a Política Nacional de Resíduos (PNRS), e o Decreto 10.240/2020, para regulamentar a logística reversa de eletroeletrônicos, segundo Carlos Canejo, o país não tem lá uma atuação de destaque no assunto.
“O foco do governo brasileiro ainda não é o desenvolvimento de um modelo econômico circular baseado na não geração e no consumo consciente. Continuamos com um modelo econômico linear focado na venda/comercialização de produtos novos”, disse. “Enquanto esta filosofia não for estremecida pelas questões ambientais associadas à má gestão dos resíduos sólidos, continuaremos a amargar problemas aparentemente insolúveis”.
A advogada Letícia Crivelin aponta que, ainda que esse pensamento por parte das empresas seja positivo, “a discussão sobre o impacto dos acessórios de produtos eletrônicos é mais profunda”. “Além da necessidade de pesquisas para avaliar o percentual desses produtos no lixo eletrônico como um todo, o mercado precisa encontrar soluções de uso eficiente de recursos naturais, mecanismos de logística reversa, reciclagem e obsolescência programada, padronização entre fornecedores, embalagem de produtos, dentre outros”, afirma.
Outras companhias possivelmente devem lançar, também, celulares sem carregador e fone de ouvido na caixa, como é o caso da linha Samsung Galaxy S21, além da Apple. “O telefone celular não será comercializado com fonte de alimentação”, sinalizou o certificado de homologação da Anatel do smartphone emitido em dezembro de 2020. Questionada pelo Tecnoblog, a Samsung não comentou sobre o assunto.
A Motorola, por sua vez, disse não ter “planos de retirar os acessórios dos seus produtos”. “Até o momento, a Asus não tem nada oficial a respeito do assunto”, afirmou a Asus.
Leia | Obsolescência programada: o que é, exemplos e impactos dessa estratégia